Antes de falar sobre a pesquisa do Datafolha, uma geral:
O Brasil tem 26 estados e um distrito federal, além de 5570 municípios, e é governado por três poderes em teoria constituídos, soberanos e independentes: executivo, legislativo e judiciário.
O poder executivo é liderado por um presidente, 27 governadores e 5570 prefeitos.
O poder legislativo é liderado por 81 senadores, 513 deputados federais, 1059 deputados estaduais (ou distritais) e mais de 57 mil vereadores.
O poder judiciário é liderado por cerca de 20 mil juízes.
Ao contrário do executivo e do legislativo, com membros eleitos por voto popular (dos eleitores), o judiciário é composto por membros sem a escolha da população (o acesso ao judiciário se dá através de concursos); o entendimento é que o judiciário é um poder apartidário...
O judiciário tem duas funções principais: jurisdicional (a aplicação do direito ao caso concreto com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei) e administrativa (no trato de seus assuntos internos e eventualmente no processo legislativo por iniciativa de leis); além de fiscalizar os outros dois poderes.
Para discorrer sobre o que em teoria deveria ser o judiciário em todas as suas esferas e sobre o que vemos na prática, eu deveria escrever um artigo próprio.
O executivo administra, fornecendo serviços à população e o legislativo elabora e aprova as leis e fiscaliza o executivo.
Nas esferas estadual e municipal o legislativo é unicameral, ao contrário da esfera federal...
O congresso nacional é o órgão do poder legislativo na esfera federal e é bicameral, isto é, formado por câmara dos deputados e senado.
Cada um desses órgãos exerce o mesmo poder, duas vezes. Parece redundante? Pois é...
Mas você sabe quem o congresso representa?
É uma boa pergunta (vide o problema do financiamento de campanhas), mas em teoria a câmara dos deputados federais representa o povo brasileiro.
E o senado?
Pois bem, se você acha que senado representa o povo, está enganado.
Historicamente o senado representa a nobreza, os lordes... No Brasil o senado representa as unidades federativas (estados e distrito federal).
Enquanto a câmara federal observa a população dos estados para sua composição, obedecendo o critério de proporcionalidade, o senado é composto por 3 membros por estado, independentemente da população de cada estado.
Ou seja, os 513 deputados federais que em teoria representam o povo exercem o mesmo poder que os 81 senadores representando seus estados.
Mesmo sem entrar no campo das críticas aos supersalários e dos tantíssimos benefícios (e eu considero uma afronta absurda essas regalias todas), acontece que as unidades federativas já dispõem de suas próprias assembléias de deputados, assim como os municípios com suas câmaras de vereadores.
Por que o legislativo federal necessitaria de representantes dos estados (os senadores) e o legislativo estadual não necessita de representantes dos municípios?
Pois é, o bicameralismo é mesmo algo elitista e onerosamente burocrático.
Não é por acaso esse sentimento de falta de representatividade e credibilidade que grande parte da população tem em relação ao congresso e aos políticos em geral.
Grande parte da atual crise política que enfrentamos agora no Brasil provém da falta de conhecimento por parte da população sobre os entes, as atribuições e as competências que mencionei até aqui.
Até mesmo a parcela da população que em teoria teve acesso ao ensino superior parece desconhecer a estrutura de governo do nosso país em algum grau.
Além, é claro, da falta de conhecimento acerca das ideologias políticas por parte de grande parte da população, e pior ainda, por parte dos próprios políticos, que tendem a reduzir as discussões para personalismos (maquiando o fisiologismo).
A pesquisa divulgada pela Folha hoje vem bem a calhar para se discutir o papel do legislativo atual e como o eleitor (não) percebe a relação entre os poderes e a população.
A manchete diz que no Brasil hoje os "parlamentares são mais liberais do que o eleitorado". Se levarmos em conta que na última eleição o Brasil elegeu a composição mais conservadora para o congresso em muitos anos, há muito para se refletir...
Em termos gerais, a matéria da Folha diz que a não ser na economia, em todos os outros tópicos o eleitor médio é ainda mais conservador que a média dos parlamentares.
Um exemplo assustador é o tópico da criminalidade.
74% dos congressistas acreditam que a principal causa do problema seja "a falta de oportunidades iguais para todos". Já para a maioria dos eleitores (60%), a maior causa é "a maldade das pessoas"...
A pena de morte também separa representantes e representados: 86% dos parlamentares defendem que "não cabe à Justiça matar uma pessoa, mesmo que ela tenha cometido um erro grave" mas dentre os que são declaradamente a favor da medida, há 43% da população e só 8% dos políticos.
Infelizmente a maioria dos eleitores parece não se atentar muito ao fato do atual presidente da câmara, Cunha, ser investigado e acusado pelo Ministério Público da Suiça por corrupção e crimes como sonegação e lavagem de dinheiro.
Mas tem mais, dos dez prováveis substitutos no caso de um hipotético afastamento de Cunha, pelo menos sete deles são acusados de crimes e estão sendo investigados.
Ou seja, quase a metade dos eleitores aceita numa boa a maldade de certas pessoas (justamente as pessoas a quem confiamos os destinos de nosso país), mas a maldade de outras pessoas seria grave demais a ponto de ser combatida com a pena de morte...
Em relação a crimes cometidos por adolescentes, outra oposição: para a maioria dos congressistas (55%) esses jovens "devem ser reeducados". Dentre a população, o índice é de 22%.
76% das pessoas acreditam que os adolescentes "devem ser punidos como adultos" – frase endossada por 38% dos parlamentares.
Infelizmente a maioria dos eleitores parece não se atentar muito ao que está acontecendo, e aqui me refiro ao esquema de indústria de prisioneiros que está sendo forjado, nos estados mais conservadores, com sistemático aumento da violência policial (sobretudo nas periferias) e construção de penitenciárias com cada vez mais presos.
Curiosamente esses mesmos estados ao invés de construir mais escolas e aprimorar o sistema educacional, pelo contrário, renegam o investimento e inclusive fecham escolas nas famosas reformas que na prática apenas tornam as periferias desprovidas de quaisquer possibilidades de educar as crianças dignamente.
O resultado é bastante claro; as crianças nas periferias crescem sem acesso a uma educação digna, tornando muitas delas presa fácil para o esquema já estabelecido de crimes como o tráfico de drogas.
As drogas são proibidas por lei e o custo para combater essa tal guerra às drogas é milionário, altíssimo.
A pergunta aqui é: a tal guerra às drogas está mesmo trazendo segurança à população?
Para mim a resposta é bem fácil: não.
Basta ver os índices de violência nas periferias, onde a polícia e os traficantes ficam mais violentos a cada dia que passa, inclusive com policiais assassinados por traficantes e execuções sumárias ilegais onde o policial criminoso permanece impune.
Comparando os custos que o governo dos estados tem ao educar ou punir, percebemos bem esse esquema a que me refiro:
Enquanto um aluno custa ao governo do estado cerca de dois mil reais ao ano, esse mesmo governo de estado gasta mais de vinte mil reais por ano para manter um presidiário.
Ou seja, o esquema de indústria de prisioneiros movimenta dez vezes mais dinheiro do que proporcionar educação digna para que as crianças se tornem adultos capazes de permanecerem livres de corrupção e criminalidade.
Mais, fica óbvio perceber que num quadro desses, os preguiçosos de plantão, os corruptos de sempre e os sedentos por sangue vão acabar preferindo a pena de morte mesmo, com o intuito de "acabar" com o problema, ao invés de se fazer o certo, isto é, investir em educação digna nas periferias para transformar a situação para melhor, combatendo a violência a longo prazo e de forma efetiva.
O Datafolha bem que poderia se dignar a entrevistar todos os 594 parlamentares federais brasileiros, pois ao entrevistar apenas pouco mais da metade deles, o resultado fica prejudicado.
Mas para mim, o mais importante mesmo seria perceber se é mesmo uma questão do eleitor médio ser realmente conservador ou, na verdade, o que eu suponho que seja: a necessidade gritante do eleitor médio se tornar melhor informado, engajado no combate ao crime de corrupção e realmente preocupado com a busca por uma sociedade melhor.
O Brasil tem 26 estados e um distrito federal, além de 5570 municípios, e é governado por três poderes em teoria constituídos, soberanos e independentes: executivo, legislativo e judiciário.
O poder executivo é liderado por um presidente, 27 governadores e 5570 prefeitos.
O poder legislativo é liderado por 81 senadores, 513 deputados federais, 1059 deputados estaduais (ou distritais) e mais de 57 mil vereadores.
O poder judiciário é liderado por cerca de 20 mil juízes.
Ao contrário do executivo e do legislativo, com membros eleitos por voto popular (dos eleitores), o judiciário é composto por membros sem a escolha da população (o acesso ao judiciário se dá através de concursos); o entendimento é que o judiciário é um poder apartidário...
O judiciário tem duas funções principais: jurisdicional (a aplicação do direito ao caso concreto com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei) e administrativa (no trato de seus assuntos internos e eventualmente no processo legislativo por iniciativa de leis); além de fiscalizar os outros dois poderes.
Para discorrer sobre o que em teoria deveria ser o judiciário em todas as suas esferas e sobre o que vemos na prática, eu deveria escrever um artigo próprio.
O executivo administra, fornecendo serviços à população e o legislativo elabora e aprova as leis e fiscaliza o executivo.
Nas esferas estadual e municipal o legislativo é unicameral, ao contrário da esfera federal...
O congresso nacional é o órgão do poder legislativo na esfera federal e é bicameral, isto é, formado por câmara dos deputados e senado.
Cada um desses órgãos exerce o mesmo poder, duas vezes. Parece redundante? Pois é...
Mas você sabe quem o congresso representa?
É uma boa pergunta (vide o problema do financiamento de campanhas), mas em teoria a câmara dos deputados federais representa o povo brasileiro.
E o senado?
Pois bem, se você acha que senado representa o povo, está enganado.
Historicamente o senado representa a nobreza, os lordes... No Brasil o senado representa as unidades federativas (estados e distrito federal).
Enquanto a câmara federal observa a população dos estados para sua composição, obedecendo o critério de proporcionalidade, o senado é composto por 3 membros por estado, independentemente da população de cada estado.
Ou seja, os 513 deputados federais que em teoria representam o povo exercem o mesmo poder que os 81 senadores representando seus estados.
Mesmo sem entrar no campo das críticas aos supersalários e dos tantíssimos benefícios (e eu considero uma afronta absurda essas regalias todas), acontece que as unidades federativas já dispõem de suas próprias assembléias de deputados, assim como os municípios com suas câmaras de vereadores.
Por que o legislativo federal necessitaria de representantes dos estados (os senadores) e o legislativo estadual não necessita de representantes dos municípios?
Pois é, o bicameralismo é mesmo algo elitista e onerosamente burocrático.
Não é por acaso esse sentimento de falta de representatividade e credibilidade que grande parte da população tem em relação ao congresso e aos políticos em geral.
Grande parte da atual crise política que enfrentamos agora no Brasil provém da falta de conhecimento por parte da população sobre os entes, as atribuições e as competências que mencionei até aqui.
Até mesmo a parcela da população que em teoria teve acesso ao ensino superior parece desconhecer a estrutura de governo do nosso país em algum grau.
Além, é claro, da falta de conhecimento acerca das ideologias políticas por parte de grande parte da população, e pior ainda, por parte dos próprios políticos, que tendem a reduzir as discussões para personalismos (maquiando o fisiologismo).
A pesquisa divulgada pela Folha hoje vem bem a calhar para se discutir o papel do legislativo atual e como o eleitor (não) percebe a relação entre os poderes e a população.
A manchete diz que no Brasil hoje os "parlamentares são mais liberais do que o eleitorado". Se levarmos em conta que na última eleição o Brasil elegeu a composição mais conservadora para o congresso em muitos anos, há muito para se refletir...
Em termos gerais, a matéria da Folha diz que a não ser na economia, em todos os outros tópicos o eleitor médio é ainda mais conservador que a média dos parlamentares.
Um exemplo assustador é o tópico da criminalidade.
74% dos congressistas acreditam que a principal causa do problema seja "a falta de oportunidades iguais para todos". Já para a maioria dos eleitores (60%), a maior causa é "a maldade das pessoas"...
A pena de morte também separa representantes e representados: 86% dos parlamentares defendem que "não cabe à Justiça matar uma pessoa, mesmo que ela tenha cometido um erro grave" mas dentre os que são declaradamente a favor da medida, há 43% da população e só 8% dos políticos.
Infelizmente a maioria dos eleitores parece não se atentar muito ao fato do atual presidente da câmara, Cunha, ser investigado e acusado pelo Ministério Público da Suiça por corrupção e crimes como sonegação e lavagem de dinheiro.
Mas tem mais, dos dez prováveis substitutos no caso de um hipotético afastamento de Cunha, pelo menos sete deles são acusados de crimes e estão sendo investigados.
Ou seja, quase a metade dos eleitores aceita numa boa a maldade de certas pessoas (justamente as pessoas a quem confiamos os destinos de nosso país), mas a maldade de outras pessoas seria grave demais a ponto de ser combatida com a pena de morte...
Em relação a crimes cometidos por adolescentes, outra oposição: para a maioria dos congressistas (55%) esses jovens "devem ser reeducados". Dentre a população, o índice é de 22%.
76% das pessoas acreditam que os adolescentes "devem ser punidos como adultos" – frase endossada por 38% dos parlamentares.
Infelizmente a maioria dos eleitores parece não se atentar muito ao que está acontecendo, e aqui me refiro ao esquema de indústria de prisioneiros que está sendo forjado, nos estados mais conservadores, com sistemático aumento da violência policial (sobretudo nas periferias) e construção de penitenciárias com cada vez mais presos.
Curiosamente esses mesmos estados ao invés de construir mais escolas e aprimorar o sistema educacional, pelo contrário, renegam o investimento e inclusive fecham escolas nas famosas reformas que na prática apenas tornam as periferias desprovidas de quaisquer possibilidades de educar as crianças dignamente.
O resultado é bastante claro; as crianças nas periferias crescem sem acesso a uma educação digna, tornando muitas delas presa fácil para o esquema já estabelecido de crimes como o tráfico de drogas.
As drogas são proibidas por lei e o custo para combater essa tal guerra às drogas é milionário, altíssimo.
A pergunta aqui é: a tal guerra às drogas está mesmo trazendo segurança à população?
Para mim a resposta é bem fácil: não.
Basta ver os índices de violência nas periferias, onde a polícia e os traficantes ficam mais violentos a cada dia que passa, inclusive com policiais assassinados por traficantes e execuções sumárias ilegais onde o policial criminoso permanece impune.
Comparando os custos que o governo dos estados tem ao educar ou punir, percebemos bem esse esquema a que me refiro:
Enquanto um aluno custa ao governo do estado cerca de dois mil reais ao ano, esse mesmo governo de estado gasta mais de vinte mil reais por ano para manter um presidiário.
Ou seja, o esquema de indústria de prisioneiros movimenta dez vezes mais dinheiro do que proporcionar educação digna para que as crianças se tornem adultos capazes de permanecerem livres de corrupção e criminalidade.
Mais, fica óbvio perceber que num quadro desses, os preguiçosos de plantão, os corruptos de sempre e os sedentos por sangue vão acabar preferindo a pena de morte mesmo, com o intuito de "acabar" com o problema, ao invés de se fazer o certo, isto é, investir em educação digna nas periferias para transformar a situação para melhor, combatendo a violência a longo prazo e de forma efetiva.
O Datafolha bem que poderia se dignar a entrevistar todos os 594 parlamentares federais brasileiros, pois ao entrevistar apenas pouco mais da metade deles, o resultado fica prejudicado.
Mas para mim, o mais importante mesmo seria perceber se é mesmo uma questão do eleitor médio ser realmente conservador ou, na verdade, o que eu suponho que seja: a necessidade gritante do eleitor médio se tornar melhor informado, engajado no combate ao crime de corrupção e realmente preocupado com a busca por uma sociedade melhor.