28 de outubro de 2015

Enriquecimento ilícito

Vamos falar de combate à corrupção?

Mesmo com as estatísticas e informações sobre operações, investigações e processos da Polícia Federal, do Ministério Público, da Controladoria Geral da União e do Supremo Tribunal Federal, que estão disponíveis para todo e qualquer cidadão; mesmo com a repercussão na imprensa; mesmo com as prisões e condenações, inéditas, de corruptos do alto escalão no processo do mensalão; e mesmo com a prisão, inédita, de corruptores (além de corruptos), através da Lava-Jato, ainda tem um monte de gente que não acredita que antes do começo dos anos 2000 os escândalos de corrupção acabavam em pizza e que isso começou a mudar de lá para cá.

É incrível, mas somente em 2013 um governo federal teve a decência de sancionar uma lei anticorrupção no Brasil.
Ainda há muito a fazer para um combate mais efetivo à corrupção mas é inegável que agora a PF e o MP trabalham com autonomia e sem freios, que o STF não se permite mais ao arquivamento vergonhoso de todo e qualquer processo envolvendo corruptos poderosos e que o CGU hoje não é mais o "engavetador geral".

Temos um desafio e tanto pela frente, que é levar a justiça para todos, ou pelo menos para gente de todas as esferas e de todos os segmentos, pois hoje a justiça no Brasil é apenas para alguns. Isso é muito grave, causa males para muitas pessoas e atrasa nossa evolução. Mas meu texto aqui é sobre algo que, mesmo que indiretamente, acabaria influindo também neste problema da falta de justiça para todos.

Bom, vamos lá:
Ao invés de se fazer campanha contra a corrupção com bonecos infláveis e bateção de panela, apenas exigindo a queda do governo federal - ou seja, a troca das pessoas sem o aprimoramento do sistema -, por que não há por exemplo uma campanha para a tipificação do enriquecimento ilícito?
No código penal temos apropriação indébita (art. 169), estelionato (art. 171) e tantos outros crimes ligados à corrupção, mas falta o enriquecimento ilícito.

Pois, além da precarização (ou ausência) de serviços ou do descenso a direitos e todos os problemas decorrentes a quem tem a vida prejudicada por isso, afinal, qual é o sinal (e ao mesmo tempo o fruto) da corrupção?
Sim, o enriquecimento ilícito.

O enriquecimento ilícito é muito simples de se definir e de se identificar:
Imagine que o salário do João, um cidadão qualquer, seja de dez mil reais por mês e que na declaração de IR dele conste um patrimônio de mais de cinco milhões de reais; imagine ainda podermos ver claramente que o patrimônio do João é maior ainda do que o declarado.

Duas coisas estão muito erradas nesse caso:
1. Um patrimônio de mais de cinco milhões de reais é incompatível para alguém com salário de dez mil reais;
2. Se o patrimônio de João é ainda maior do que o declarado, opa, isso também aponta crime de sonegação.

A menos que o João seja o feliz herdeiro de alguma fortuna ou ganhador da loteria, isso tem nome: enriquecimento ilícito.

O chamado 'enriquecimento sem causa' já existe em nossa legislação, mas é algo risível, primeiro porque a lei considera um mal menor, tanto que se encontra no código civil, e principalmente porque a lei hoje diz que o delito de 'enriquecimento sem causa' existe somente quando um indivíduo aufere vantagem indevida em face do empobrecimento de outro, ou seja, atrelando a tal vantagem indevida a uma relação causal onde é obrigatória a presença de um indivíduo nomeadamente prejudicado numa correspondência única.

A caracterização que nossa lei dá hoje para 'enriquecimento sem causa' é restrita demais e impede a identificação e a punição de quem acumula riquezas de forma ilegal. A lei brasileira trata o 'enriquecimento sem causa' como algo relacionado a estelionato ou apropriação indébita, sempre em relação intrínseca a algum outro indivíduo lesado, e não como enriquecimento ilícito em sí, isto é, como acúmulo de riqueza sem proveniência comprovada.

Na França, por exemplo, a Lei 2006-64 prevê o crime de “não justificação de rendimentos”.
Já aqui no Brasil ainda é essa "festa"...

Mas espera, é só fazer uma pesquisa na internet para ver que há sim gente tentando trazer o tema da tipificação do enriquecimento ilícito no Brasil!
E quem seriam essas pessoas?
E quando é que começou a se discutir essas ideias de tipificação do enriquecimento ilícito?

Para começar falo de Hadadd. 
O prefeito de São Paulo anunciou agora em 2015 um decreto que prevê demissão para todo e qualquer funcionãrio público municipal que não seja capaz de explicar a sua evolução patrimonial.

Sensato, não? Por que cargas d'água ninguém fez algo desse tipo antes de Hadadd?
Nesse caso o João do exemplo acima estaria demitido, simples assim. 
Mas apesar de ser um primeiro passo importante, ainda é pouco, pois além de ser demitido, o corrupto deveria devolver aos cofres públicos tudo que acumulou indevidamente e ainda responder penalmente.

E é justamente isso - a tipificação visando a responsabilidade criminal do corrupto que enriqueceu ilicitamente, como já acontece em outros países, além da devolução compulsória dos valores incompatíveis (com multa e correção) - que vem sendo defendido por especialistas, como membros da CGU. 

Essa tipificação, objeto deste meu texto aqui, vem sendo denominada de 'criminalização do enriquecimento ilícito'.
Agora em 2015 há duas iniciativas louváveis:
1. Neste momento está tramitando o Projeto de Lei do Senado (PLS) 35/2015, que prevê a criminalização do enriquecimento ilícito, de autoria de Humberto Costa, do PT;
2. O MPF propôs um pacote anticorrupção que contempla o projeto de lei acima.

E onde estão os indignados contra a corrupção, que não protestam sobre isso?
Se a luta é contra a corrupção, a questão do enriquecimento ilícito é algo fundamental. 

Claro que ainda vai faltar trazer a justiça para todos, universalizar a justiça no Brasil, para combater a impunidade, mas de qualquer forma criminalizar o enriquecimento ilícito só trará benefícios para a sociedade em geral.