21 de setembro de 2015

Sobre a carta aberta de Tito Costa a Lula

A Folha de São Paulo publicou hoje, dia 20 de setembro de 2015, a carta aberta que o ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Tito Costa, escreveu para Lula. 
Leia aqui.

Mais da metade do texto traz as lembranças que Costa, hoje com 92 anos de idade, guarda de seu tempo de contatos com Lula nos idos de 1979 até 1981. Somente na parte final do texto é que o propósito da carta aberta se manifesta.

Partindo do princípio que ter opinião é um direito fundamental - e o texto de Costa é meramente um texto de opinião, quero deixar claro aqui que não tenho intenção alguma de causar efeito algum em meu leitor no que se refere à pessoa de Costa.
Inclusive desconheço a trajetória política dele. Sei apenas que ele era o prefeito de São Bernardo do Campo durante os últimos anos da ditadura militar.

Quando Costa define o PT como "um partido político que prometia seriedade no manejo da coisa pública" ele acaba passando uma impressão muito incompleta, pois o PT defende sim a seriedade no manejo da coisa pública, mas isso é apenas uma dentre as muitas outras características de seus valores e de sua plataforma. Todo partido que se preze promete seriedade em todos os seus aspectos.

Costa diz que o PT "logo decepcionou a todos pelos desvios de comportamento e de abusos na condução da máquina administrativa do Estado".
Realmente os desvios de comportamento de quadros de destaque do partido foram fonte de decepção para todos aqueles que buscam uma sociedade melhor. Isso não se discute.

Então o texto passa a criticar duramente o projeto de Lula e do PT no governo federal desde 2003. 
Costa faz diversas afirmações acerca de Lula e do PT, tais como:
1. "deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade histórica de liderar a implantação de urgentes mudanças estruturais na máquina do poder público";
2. "abandonou um projeto de Brasil para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional";
3. "em seus alargados anos de governo, com indissimulada arrogância, optou por embrenhar-se na busca incessante, impatriótica e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de sua causa que não é a do país";
4. se enganou "com a pretensão equivocada de implantar uma era de bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo em favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora se apercebem com natural desapontamento".

Os pontos 1, 2 e 3 são redundantes. O texto martela, o mesmo, repetidamente.
Sem entrar no mérito da discussão em torno da discrepância entre o projeto de Brasil adotado pelo PT e como esse projeto foi e é visto pelos diversos analistas e setores políticos, pois isso beira a epistemologia ou a ontologia, sinto-me à vontade para dizer que Tito Costa se engana ao fazer crer que os erros por parte do governo e os desvios de comportamento por parte de quadros de destaque do partido significam o abandono do projeto de Brasil inclusivo proposto e aprovado democraticamente pela maioria dos votos.

Se costa quis reclamar da máquina de estado inchada do PT, que é o que eu espero ter entendido corretamente, essa "oportunidade histórica" ainda está em curso. Não é porque o PT ainda não enxugou a máquina, que ele ainda não poderá fazê-lo, ou melhor dizendo, antes tarde do que nunca.

Não é como se Lula estivesse para ser executado ou adoentado de morte, Lula ainda é uma força política de grande importância no cenário brasileiro - uma das maiores.

O PT errou diversas vezes, principalmente nos desvios de conduta de quadros de destaque, e muito também em nome da tal governabilidade (e isso inclusive tem a ver com o tema aqui), mas essa implantação de que Costa trata de qualquer forma não poderia ter sido concluída com eficácia de 2003 pra cá, por vários motivos, dentre os quais: 
A. desde 1500 até 2003 o brasil veio daquele jeito, quase quinhentos anos são muito pesados para apenas doze; 
B. o PT erra (como todo e qualquer partido pode errar); 
C. as demais forças políticas e econômicas precisariam apoiar (ou pelo menos aceitar) essa implantação (o que não acontece).

O PT foi eleito para governar o executivo federal, mas ainda há o executivo estadual (multiplique isso por 27), o executivo municipal (multiplique isso por 5.570), além do legislativo (em todas as esferas) e do judiciário (em todas as esferas). 
Isso sem falar do poder econômico etc. 

Sobre os pontos 3 e 4:
Se em termos da tal "máquina do poder público" o PT realmente falhou, é impossível negar que em termos de inclusão social o projeto do PT foi o responsável pelas ações que proporcionaram mudanças positivas históricas.
Esse consumismo, que o tal paternalismo de Lula e do PT proporcionou às classes menos favorecidas, que Costa abomina, sempre foi "direito fundamental" dos privilegiados das classes altas.
Isto é, Costa faz crer que quando o consumismo é praticado pelas classes favorecidas, tudo bem, não é engano, mas quando um governo proporciona consumismo às classes historicamente desfavorecidas, então se trata de engano...

Costa afirma que Lula e o PT levaram as classes desfavorecidas do Brasil ao engano e puxa vida, que esse engano seria justamente a bonança a que nunca antes tinham tido acesso. 

O tal engano nada teve a ver com a bonança material, essa sim muito bem-vinda na busca por uma sociedade melhor. 
Quadros de destaque do partido enganaram sim a confiança de todos, mas o programa de Brasil inclusivo do governo federal do PT continua surtindo efeitos positivos.

Costa vai mais longe, afirma que o tal engano gerou o desapontamento atual. 

Sobre o desapontamento que se sente hoje, Costa se engana ao fazer crer que venha das mesmas pessoas que foram beneficiadas pelos governos de Lula e do PT. 
Desde 2003 o consumo aumentou no Brasil, o poder de compra do salário aumentou e o desemprego caiu. A ONU retirou o Brasil do mapa da miséria, pela primeira vez na história. 
Os programas sociais dos governos do PT, principalmente nas áreas da educação, da habitação e da saúde, foram e são fundamentais. Fato.

O desapontamento vem das classes médias tradicionais, das pessoas que se viram enciumadas pela inédita companhia de milhões de pessoas que progrediram a ponto de agora fazer parte das classes média.

Outra coisa muito importante é perceber que esse desapontamento vem sendo amplamente incentivado e impetrado pelos partidos de oposição e pela grande mídia, numa campanha incessante que ao invés de fazer a crítica em prol do bem do país, nada mais está fazendo que promover o caos e a instabilidade política e econômica e isto sim me parece algo impatriótico.

Muitos dizem que o principal erro do PT, na hora de botar em prática seu projeto de Brasil, foi o de priorizar o acesso ao crédito e ao consumo, ao invés de priorizar a inclusão social via educação.

Às vezes concordo com essa crítica, às vezes não.
Reclamar fica fácil, para nós, que nascemos e crescemos com acesso a serviços básicos e tivemos uma formação efetiva, mas procure imaginar como seria na prática isso de promover a inclusão social de milhões de pessoas via educação - sem promover bonança material (isto é, consumismo) - sendo que essas milhões de pessoas se encontram em situação de miséria, desfavorecidas desde o nascimento.

É preciso ter disposição na hora de analisar a situação, para dimensionar o papel do PT nessa crise toda; apontar Lula como bode expiatório é fácil, mas reprovável; fazer crer que o PT é a causa dos males do país e que por isso deveremos todos "esperar por uma era de dificuldades e incertezas", além de algo extremamente pessimista, é inútil e parcial.