6 de março de 2015

Uma Nova Teoria da Vida da Física

Escrito por: Natalie Wolchover
22 de janeiro de 2014
Publicado por: Quanta Magazine (https://www.quantamagazine.org/20140122-a-new-physics-theory-of-life/)
Traduzido por: Cesar Zanin
5 de março de 2015


Jeremy England, um físico de 31 anos de idade, no MIT, pensa ter encontrado a física subjacente que impulsiona a origem e a evolução da vida.


Por que a vida existe?

Hipóteses populares atribuem uma sopa primordial, um relâmpago e um golpe de sorte colossal. Mas se uma nova teoria provocativa estiver correta, a sorte pode ter pouco a ver com isso. Em vez disso, de acordo com o físico que está propondo a ideia, a origem e evolução subsequente da vida decorrem das leis fundamentais da natureza e "devem ser tão facilmente explicáveis quanto pedras rolando ladeira abaixo."

Do ponto de vista da física, há uma diferença essencial entre os seres vivos e aglomerados inanimados de átomos de carbono: Os seres vivos tendem a ser muito melhores em capturar energia a partir de seu ambiente e dissipar essa energia na forma de calor. Jeremy England, um professor de 31 anos de idade, assistente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), deduziu uma fórmula matemática que explicaria essa capacidade. A fórmula, baseada na física estabelecida, indica que quando um grupo de átomos é acionado por uma fonte externa de energia (como o sol ou combustíveis químicos) e rodeado por um banho de calor (como o oceano ou a atmosfera), frequentemente esse grupo vai se reestruturar gradualmente a fim de dissipar cada vez mais energia. Isto poderia significar que, sob certas condições, a matéria inexoravelmente adquire o atributo físico chave associado à vida.

"Você começa com um punhado aleatório de átomos e se você brilhar a luz sobre ele por tempo suficiente, não deve ser tão surpreendente que você obtenha uma planta", disse England.


 As células do musgo Plagiomnium affine com cloroplastos visíveis, organelas que realizam fotossíntese capturando a luz solar.

A teoria de England está na base da teoria da evolução de Darwin pela seleção natural, que fornece uma descrição poderosa de vida a nível de genes e de populações. "Eu certamente não estou dizendo que as ideias darwinistas estão erradas", ele explicou. "Pelo contrário, estou apenas dizendo que a partir da perspectiva da física, você pode nomear a evolução darwiniana como um caso especial de um fenômeno mais geral."

Sua ideia, detalhada em um artigo recente e ampliada em uma palestra que ele está ministrando em universidades ao redor do mundo, gerou polêmica entre seus colegas, que a veem como um avanço fraco ou então potencial, ou ambos.

England deu "um passo muito corajoso e muito importante", disse Alexander Grosberg, professor de física na Universidade de Nova York que tem acompanhado o trabalho de England desde seus estágios iniciais. A "grande esperança" é que ele tenha identificado o princípio físico básico de condução da origem e da evolução da vida, disse Grosberg.

"Jeremy é o mais brilhante jovem cientista com quem eu já me deparei", disse Attila Szabo, um biofísico no Laboratório de Físico-Química do Instituto Nacional de Saúde, que se correspondeu com England sobre sua teoria após conhecê-lo em uma conferência. "Fiquei impressionado com a originalidade das ideias."

Outros, como Eugene Shakhnovich, um professor de química, biologia química e biofísica da Universidade de Harvard, ainda não estão convencidos. "As ideias de Jeremy são interessantes e potencialmente promissoras, mas neste momento são extremamente especulativas, especialmente quando aplicadas ao fenômenos da vida", disse Shakhnovich.

Os resultados teóricos de England são geralmente considerados válidos. É a sua interpretação - que sua fórmula representa a força motriz por trás de uma classe de fenômenos na natureza, que inclui a vida - que ainda não foi provada. Mas já, há ideias sobre como testar essa interpretação no laboratório.

"Ele está tentando algo radicalmente diferente", disse Mara Prentiss, uma professora de física na Universidade de Harvard que está contemplando tal experimento depois de conhecer o trabalho de England. "Sob um prisma de organização, acho que ele teve uma ideia fabulosa. Certo ou errado, vai valer muito a pena investigar."

No coração da ideia de England está a segunda lei da termodinâmica, também conhecida como a lei da entropia crescente ou a “flecha do tempo”. As coisas quentes esfriam, o gás se difunde pelo ar, ovos mexidos nunca voltam a ser ovos inteiros; em suma, a energia tende a se dispersar ou se espalhar com o tempo. A entropia é uma medida dessa tendência, quantificando como a energia é dispersa entre as partículas num sistema, e como estas partículas são difusas por todo o espaço. Ela aumenta como uma simples questão de probabilidade: Há mais maneiras da energia ser espalhada do que ser concentrada. Assim, enquanto as partículas num sistema se movimentam e interagem, elas irão, através de puro acaso, adotar configurações em que a energia é espalhada. Enfim o sistema chega a um estado de máxima entropia chamado "equilíbrio termodinâmico", em que a energia é distribuída uniformemente. Uma xícara de café e o cômodo em que ela está acabam com a mesma temperatura, por exemplo. Contanto que a xícara e o cômodo sejam deixados pra trás, este processo é irreversível. O café nunca aquece espontaneamente de novo porque as chances são esmagadoramente contra a possibilidade de muita da energia do quarto se concentrarem aleatoriamente nos átomos do café.


Uma simulação de computador feita por Jeremy England e colegas mostra um sistema de partículas confinadas no interior de um fluido viscoso no qual as partículas turquesas são impulsionadas por uma força oscilante. Ao longo do tempo (de cima para baixo) a força desencadeia a formação de mais ligações entre as partículas.

Embora a entropia deva aumentar ao longo do tempo em um sistema "fechado" ou isolado, um sistema "aberto" pode manter sua entropia baixa - isto é, a energia dividida desigualmente entre seus átomos - aumentando bastante a entropia do seu entorno. Em sua influente monografia de 1944  "O que é a vida?", o eminente físico quântico Erwin Schrödinger argumentou que isso é o que os seres vivos tem de fazer. Uma planta, por exemplo, absorve a luz solar extremamente enérgica, usa para construir açúcares, e ejeta luz infravermelha, uma forma de energia muito menos concentrada. A entropia total do universo aumenta durante a fotossíntese enquanto a luz solar se dissipa, mesmo quando a planta se previne da decomposição através da manutenção de uma estrutura interna ordenada.

A vida não viola a segunda lei da termodinâmica, mas até recentemente, os físicos não foram capazes de usar a termodinâmica para explicar porque ela deve surgir em primeiro lugar. Nos tempos de Schrödinger, era possível resolver as equações da termodinâmica somente para sistemas fechados em equilíbrio. Na década de 60, o físico belga Ilya Prigogine fez progressos em predizer o comportamento de sistemas abertos fracamente impulsionados por fontes de energia externas (pelo qual ganhou o Prêmio Nobel em Química de 1977). Mas o comportamento de sistemas que estão longe do equilíbrio, que estão ligados ao ambiente externo e fortemente impulsionado por fontes externas de energia, não podia ser previsto.

Esta situação mudou no final dos anos 90, devido principalmente ao trabalho de Chris Jarzynski, hoje na Universidade de Maryland, e Gavin Crooks, hoje no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley. Jarzynski e Crooks mostraram que a entropia produzida por um processo termodinâmico, como o resfriamento de uma xícara de café, corresponde a uma razão simples: a probabilidade de que átomos sofram esse processo dividido pela probabilidade de sofrer o processo inverso (isto é, interagindo espontaneamente de tal modo que o café aqueça). Com o aumento da produção de entropia, assim acontece essa relação: "Irreversível". Essa fórmula, simples mas rigorosa, poderia ser aplicada, a princípio, a qualquer processo termodinâmico, não importa o quão rápido ou longe do equilíbrio. "Nossa compreensão da mecânica estatística do longe-do-equilíbrio melhorou muito", disse Grosberg. England, que é formado em ambos bioquímica e física, iniciou seu próprio laboratório no MIT há dois anos e decidiu aplicar o novo conhecimento da física estatística para a biologia.

Usando a formulação de Jarzynski e Crooks, ele obteve uma generalização da segunda lei da termodinâmica que vale para sistemas de partículas com determinadas características: Os sistemas são fortemente impulsionados por uma fonte de energia externa, como uma onda eletromagnética, e eles podem despejar calor em um banho no entorno. Esta classe de sistemas inclui todas as coisas vivas. England então determinou quanto tais sistemas tendem a evoluir ao longo do tempo enquanto aumentam a sua irreversibilidade. "Podemos mostrar de maneira muito simples, a partir da fórmula, que os resultados evolutivos mais prováveis serão aqueles que absorveram e dissiparam mais energia a partir de unidades externas do meio ambiente no caminho para chegar lá", disse ele. A descoberta faz sentido intuitivo: as partículas tendem a dissipar mais energia quando ressoam com uma força motriz, ou se movem na direção em que estão sendo empurradas, e elas estão mais propensas a se mover nessa direção do que em qualquer outra em qualquer momento.

"Isso significa que aglomerados de átomos cercados por um banho em alguma temperatura, como a atmosfera ou o oceano, devem ao longo do tempo se organizarem a ressoar melhor e melhor com as fontes de trabalho mecânico, eletromagnético ou químico em seus ambientes", explicou England.


Aglomerados de esferas auto-replicantes: De acordo com uma nova pesquisa em Harvard, o revestimento das superfícies de microesferas pode levá-las a se moldarem espontaneamente em uma certa estrutura, como um poliedro (vermelho), que então aciona esferas próximas a formar uma estrutura idêntica.

A auto-replicação (ou reprodução, em termos biológicos), o processo que impulsiona a evolução da vida na Terra, é um tal mecanismo pelo qual um sistema pode dissipar uma quantidade crescente de energia ao longo do tempo. Como England coloca, "Uma ótima maneira de dissipar mais é fazer mais cópias de si mesmo." Em um documento de setembro no Jornal de Química Física, ele informou o valor mínimo teórico de dissipação que pode ocorrer durante a auto-replicação de moléculas de RNA e células bacterianas, e mostrou que é muito próximo dos valores reais que esses sistemas dissipam ao replicar. Ele também mostrou que o RNA, o ácido nucleico que muitos cientistas acreditam que serviu como o precursor para a vida baseada em DNA, é um material de construção particularmente barato. Assim que o RNA surgiu, ele argumenta, a sua "tomada darwiniana" provavelmente não foi surpreendente.

A química da sopa primordial, mutações aleatórias, geografia, eventos catastróficos e inúmeros outros fatores têm contribuído para os detalhes da diversidade da flora e fauna da Terra. Mas de acordo com a teoria de England, o princípio subjacente conduzindo todo o processo é a adaptação da matéria orientada para a dissipação.

Este princípio se aplica à matéria inanimada também. "É muito tentador especular sobre quais fenômenos na natureza podemos agora colocar sob esta grande tenda de organização adaptativa ditada pela dissipação", disse England. "Muitos exemplos poderiam estar bem debaixo do nosso nariz, mas porque não temos procurado por eles não nos demos conta deles."

Os cientistas já observaram auto-replicação em sistemas não-vivos. De acordo com uma nova pesquisa liderada por Philip Marcus, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e relatado na revista Physical Review Letters em agosto, vórtices em fluidos turbulentos se replicam espontaneamente por extrair energia de corte no fluido circundante. E em um artigo publicado on-line esta semana no Proceedings of the National Academy of Sciences, Michael Brenner, professor de matemática aplicada e física na Universidade de Harvard, e seus colaboradores, apresentam modelos teóricos e simulações de microestruturas que autorreplicam. Estes aglomerados de microesferas especialmente revestidos dissipam energia ao enlaçar esferas próximas para formar agrupamentos idênticos. "Isto conecta muito ao que Jeremy está dizendo", disse Brenner.

Além de auto-replicação, uma organização estrutural maior é outro meio pelo qual sistemas fortemente impulsionados incrementam sua capacidade de dissipar energia. A planta, por exemplo, é muito melhor em capturar e encaminhar a energia solar através de si mesmo do que um amontoado de átomos de carbono. Assim, England argumenta que, sob certas condições, a matéria vai se auto-organizar espontaneamente. Essa tendência pode ser responsável pela ordem interna dos seres vivos e de muitas estruturas inanimadas também. "Flocos de neve, dunas de areia e vórtices turbulentos têm algo em comum: são estruturas surpreendentemente padronizadas que surgem em sistemas de muitas partículas impulsionados por algum processo de dissipação", disse ele. Condensação, vento e arraste viscoso são os processos relevantes nestes casos particulares.

"Ele está me fazendo pensar que a distinção entre matéria viva a não-viva não é nítida", disse Carl Franck, um físico biológico na Universidade de Cornell, em um e-mail. "Estou especialmente impressionado com este conceito quando se considera sistemas tão pequenos quanto circuitos químicos envolvendo algumas biomoléculas."

A ideia ousada de England provavelmente enfrentará um exame minucioso nos próximos anos. Ele está atualmente executando simulações de computador para testar sua teoria que diz que os sistemas de partículas de adaptam suas estruturas para se tornarem melhores na dissipação de energia. O próximo passo será a realização de experimentos em sistemas vivos.


Se uma nova teoria está correta, a mesma física que identifica como responsável pela origem dos seres vivos poderia explicar a formação de muitas outras estruturas padronizadas na natureza. Flocos de neve, dunas de areia e vórtices de auto-replicação no disco protoplanetário podem então ser exemplos de adaptação orientada à dissipação.

Prentiss, que dirige um laboratório experimental de biofísica em Harvard, diz que a teoria de England poderia ser testada comparando células com mutações diferentes e procurando uma correlação entre a quantidade de energia que as células dissipam e as suas taxas de replicação. "É preciso ter cuidado porque qualquer mutação poderia fazer muitas coisas", disse ela. "Mas se alguém continuou fazendo muitos destes experimentos em sistemas diferentes e se [dissipação e replicação bem sucedida] estão de fato correlacionados, isso iria sugerir que este é o princípio de organização correto."

Brenner disse que espera ligar a teoria de England às suas próprias construções de microesferas e determinar se a teoria prevê corretamente quais os processos de auto-replicação e auto-montagem podem ocorrer - "uma questão fundamental na ciência", disse ele.

Ter um princípio fundamental da vida e da evolução daria aos pesquisadores uma perspectiva mais ampla sobre o surgimento da estrutura e da função nos seres vivos, muitos dos pesquisadores disseram. "A seleção natural não explica certas características", disse Ard Louis, um biofísico da Universidade de Oxford, em um e-mail. Estas características incluem uma alteração hereditária para a expressão do gene chamada metilação, aumenta em complexidade na ausência de seleção natural, e algumas alterações moleculares que Louis estudou recentemente.

Se a abordagem de England resitir a mais testes, poderia liberar ainda mais os biólogos de buscar uma explicação darwinista para cada adaptação e permitir que eles pensem de modo mais geral, em termos de organização orientada para dissipação. Eles podem descobrir, por exemplo, que "a razão pela qual um organismo mostra característica X ao invés de Y pode não ser porque X é mais apto do que Y, mas porque restrições físicas tornam mais fácil para X para evoluir do que para Y evoluir", Louis disse.

"As pessoas muitas vezes ficam presas pensando em problemas individuais", disse Prentiss. Queiramos ou não que as ideias de England venham a ser certas, ela disse, "pensar de forma mais ampla é onde muitas descobertas científicas são feitas."

Emily Cantor contribuiu. Este artigo foi reimpresso em ScientificAmerican.com e BusinessInsider.com.

Correção: Este artigo foi revisado em 22 de janeiro de 2014, para refletir que Ilya Prigogine ganhou o Prêmio Nobel em química, não física.