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7 de janeiro de 2016

Padrões

O ser humano instintivamente busca padrões na natureza e condiciona a realidade ao conceito de causalidade. 
Este impulso primordial está por trás de coisas distintas como a religião e a ciência. 

A religião foi por muito tempo o que o ser humano tinha de mais avançado para responder as inúmeras questões delicadas e até então sem resposta. 

Então, há aproximadamente 2600 anos surgiram os primeiros cientistas, numa região chamada Jônia (então parte da Grécia antiga, hoje da Turquia); esses pensadores, também conhecidos como naturalistas, foram capazes de compreender a natureza e a realidade como ninguém antes. 

Alguns exemplos de descobertas deles? 
Ok, vamos lá: sistema heliocêntrico com cálculos das dimensões e distâncias do sol e da lua, marés e eclipses (sim, quase dois mil anos antes de Galileu, Copérnico, Kepler e Newton!), pensamento teórico evolucionista (sim, mais de dois mil anos antes de Darwin!), os fundamentos de matérias tais como filosofia, matemática, astronomia, geometria, cosmologia, paleontologia, metereologia, além de algumas experiências primitivas com magnetismo e esboços teóricos sobre gravidade e física de partículas. Sim, temas extremamente requintados e tratados hoje em dia.

Aqui os nomes de alguns dos principais desses sábios: Tales, Anaximandro, Anaximenes, Xenófanes, Heráclito, Epícuro, Anaxágoras, Arquelau, Diógenes, Aristarco, Pítaco, Leucipo, Bias, Melisso...

Por conta deles terem usado a racionalização para saciar a curiosidade e obter respostas, ao invés de se submeterem à religião ou à mitologia, foram relegados.

Com a destruição da biblioteca de Alexandria (destruição essa inclusive de motivação religiosa), todo aquele saber, valioso de uma forma indescritível, foi mutilado e banido...
Sabe quais filósofos gregos não foram relegados? Platão e Aristóteles; que ambicionavam a influência religiosa, receosos ao método científico e defendendo absurdos como a escravidão; que foram usados para moldar dogmas das grandes religiões...

Mil e quinhentos anos se passaram até que o pensamento científico voltasse, e desde então a humanidade vem desenvolvendo novamente a ciência para compreender melhor a natureza e a realidade, com resultados impressionantes.

Mas apesar disso ainda há várias perguntas importantíssimas e delicadas que seguem sem resposta. 
Há quem acredite que o ser humano nunca será capaz de saber a resposta para tudo, ou que ao descobrir a resposta para tudo o ser humano se transformará em outra coisa, há outros que acreditam que a ciência não passa de outra forma de religião...

Ontem no caralivro comentei num post da ótima página Quebrando o Tabu justamente sobre ciência (e religião).
Hoje coincidentemente recebi uma notificação sobre uma palestra TED que pretendo legendar para o português e logo depois vi num documentário da BBC falarem do chamado junk DNA.

Para além das observações triviais sobre a semelhança de formas geométricas na natureza em escalas tão diferentes, como por exemplo o mesmo desenho de espiral num caramujo e numa galáxia, este texto aqui veio da minha observação sobre como há padrões distribuídos na natureza de forma intrigante, tais como:

No interior dos sistemas estelares o que mais existe é espaço vazio; o sistema solar tem mais de 22 bilhões de quilômetros de diâmetro e mais de 99% disso é vazio (o sol responde por mais de 99% da massa total do sistema solar). 

No interior dos átomos (um fio de cabelo humano tem cerca de um milhão de átomos de largura), o que mais existe é espaço vazio. Os elétrons não têm dimensão que possa ser medida e movem-se num espaço vazio ao redor do núcleo. Só uma trilionésima parte do átomo está cheia de matéria. 

A matéria nuclear tem uma densidade inimaginável: uma colher de café cheia dessa matéria pesaria um bilhão de toneladas e se uma maçã fosse ampliada para o tamanho da Terra, os átomos teriam aproximadamente o tamanho da maçã original. 
E apesar disso, sobra muito espaço vazio dentro do átomo. 
Como é possível?
Isso me faz lembrar da palestra TED sobre física de partículas de um cientista italiano do CERN cuja legenda em português é minha (a legenda ainda precisa ser revisada e aprovada).

Somente 5% do DNA humano é útil e somente 5% da matéria no universo é bariônica
Por que não encontramos a utilidade dos 95% restantes de nosso DNA? Por que não conseguimos enxergar os 95% restantes da massa do universo?

O termo teia cósmica é usado para descrever a maneira pela qual as galáxias se distribuem no universo observável. Vistas de longe, elas estruturam-se em linhas que se cruzam e se conectam.
Essa é a mesma estrutura do nosso cérebro.

Nosso cérebro possui cerca de 90 bilhões de neurônios, o universo possui cerca de 90 bilhões de galáxias em seus 90 bilhões de anos-luz de diâmetro e cada uma dessas galáxias possui em média cerca de 90 bilhões de estrelas...

Padrões, sempre procuramos e enxergamos padrões.

Se a ciência for mesmo uma nova forma de religião, como dizem alguns, que seja! Pois levando em conta as grandes religiões dogmáticas, olha, a ciência é uma evolução e tanto!

O problema é como as grandes religiões se apoderaram da espiritualidade para fins materiais através de dogmas; a espiritualidade não é um problema, pelo contrário, muitos cientistas sentem espiritualidade.

Que a curiosidade persista!

19 de dezembro de 2015

Amén

O que dizer de uma seita chamada A Igreja do Monstro de Espaguete Voador?
Parece brincadeira, mas não, é de verdade mesmo.

Como diz O Globo, a seita macarrônica nasceu nos EUA como uma resposta ao governo de George W. Bush, que proibia o ensino da teoria da evolução nas escolas públicas
O Globo ainda diz que a controvertida igreja, também conhecida como Pastafari, é um movimento social que promove uma visão mais leve da religião e se opõe ao ensino do criacionismo nas escolas públicas.

O fiel Niko Alm já tinha tido reconhecido do governo da Áustria, em 2011, o direito de endossar um escorredor de macarrão na cabeça na foto da sua carteira de motorista, e agora em dezembro de 2015 o governo da Nova Zelândia conferiu autorização à igreja para realizar casamentos.

Haha, sensacional, né?!
Demorou demais para alguém aqui no Brasil ter a ideia de fundar uma religião para a catuaba ou a cachaça.

Mussum poderia ser o equivalente a um patriarca.
Copinho de shot ou garrafa poderia se tornar símbolo religioso.

Cerimônias como nascimento (onde os genitores e convidados comemoram), batismo - que seria unificado com primeira cumunhão (somente para 18+), casamento, divórcio, extremunção e velório seriam muito melhores, haha.

Queria ver como, por exemplo, os cristãos iam se comportar quando um fiel estivesse pregando a fé da catuaba ou da cachaça, sabe, o tal respeito à fé religiosa...

Sem falar na prosperidade de tal religião, primeiro por conta do grande número de novos fiéis, e claro, por conta de todas as isenções fiscais e benefícios financeiros destinados às religiões.

Brincadeiras à parte, a superação do esquema em que se baseia todas as grandes religiões do mundo hoje, isto é, dogmas + poder temporal, pode sim ser iniciada por dentro!
A criação de uma nova religião, humanista, pacifista e encarando a própria ciência como deus, serviria para garantir o ensino da evolução nas escolas e a formação de sujeitos ao mesmo tempo espiritualizados (ou seja, não discriminados pelos religiosos fundamentalistas por conta do tal ateísmo "maligno") e dotados de pensamento crítico, o que só pode ajudar rumo a uma futura sociedade melhor; e proporcionaria também um novo nível de alcance da ciência em nossa sociedade hoje mesmo - um alcance muito maior, com projetos muito maiores, mais numerosos e financeiramente muito mais fortes, não apenas por conta da opinião pública, mas também por conta das isenções fiscais e benefícios financeiros que as religiões desfrutam, proporcionando resultados impressionantes, inovando e levando a humanidade a novos patamares de conhecimento e bem-estar, congregando milhões e milhões de pessoas que hoje se perguntam sobre as incoerências e intransigências das religiões, pessoas que sonham com um mundo melhor, mas que não conseguem deixar para trás o medo e a culpa, embutidos pelos dogmas religiosos.

Para uma religião cujo templo máximo seja por exemplo o CERN (ao invés do vaticano etc), cujo requisito para ministrar seja o estudo da natureza, da existência, da realidade e do universo ou a pesquisa científica com valores humanistas, cuja organização automaticamente previna a possibilidade de exercício de poder temporal - respeitando a laicidade do estado - e de enriquecimento ilícito de seus ministros, cujos dogmas sejam o amor, a justiça e o respeito a todos os seres humanos, ao meio-ambiente e o método científico, eu diria amén!

23 de outubro de 2015

Herança senhorial brasileira

Entreguei hoje o trabalho de IEL na USP, sobre o conto O Caso da Vara de Machado de Assis.

Reproduzo aqui o último parágrafo do meu trabalho:
"Ainda seriam necessários mais de cem anos a partir da publicação do conto para que algumas iniciativas (Lei de Cotas, Estatuto da Igualdade Racial) em prol dessas reformas sociais fossem finalmente postas em prática pelos poderes do Estado brasileiro, e mesmo que ainda restritas e incompletas, causam hoje uma divisão em nossa sociedade, entre os que defendem essas reformas sociais e aqueles que não reconhecem a necessidade delas, fazendo crer que o fato da grande maioria da população carcerária e dos habitantes das periferias e favelas ser composta de mulatos – descendentes dessas pessoas retratadas por Machado, como a personagem Lucrécia – é apenas uma coincidência, ou pior, um destino merecido para quem por vontade própria não vive decentemente e/ou não prospera por preguiça, perpetuando o modo de pensar típico da personagem Sinhá Rita."

Ontem escrevi aqui no blog sobre como a entrevista do prof. Christian Dunker na Fórum me agradou e me fez pensar em meu trabalho de faculdade, mas hoje me deparei no caralivro com uma postagem no mural de um amigo virtual sobre a análise recente do jornalista Alexandre Garcia na TV Globo sobre o SIMPLES Doméstico... Assista aqui abaixo:



Para Alexandre Garcia o Brasil não era racista, o racismo começou recentemente porque foi institucionalizado pelo governo, com as cotas. 
Para Alexandre Garcia todos os seres humanos compõem uma única raça, que ele denomina "raça humana".  
Para Alexandre Garcia o Brasil é transgênico.
Para Alexandre Garcia o preenchimento do formulário do SIMPLES Doméstico com a pergunta sobre a raça/cor das empregadas é um desrespeito, pois é somente perda de tempo e portanto o Estado brasileiro hoje é autoritário porque usa de burocracia para atrasar a vida dos contribuintes, eleitores.
E após a análise de Garcia o âncora Chico Pinheiro fecha com "Simples assim, Alexandre, obrigado".

A ideia deste post aqui veio do timing perfeito entre meu trabalho de faculdade, a entrevista do prof. da USP na Fórum e agora essa análise velhaca do Alexandre Garcia em rede nacional na TV Globo. Essas três coisas, distintas, tocam no mesmo ponto: a herança senhorial brasileira que atrapalha nossa evolução.

Alexandre Garcia, homem, branco, bem-nascido na classe média que teve acesso a uma formação acadêmica em universidade católica e privada, contratado pelo Banco do Brasil e depois pelo Jornal do Brasil para fazer cobertura jornalística das ditaduras militares do Uruguai, Argentina e Brasil, acompanhando de perto o dia-a-dia dos ditadores, foi inclusive assessor de comunicação, secretário de imprensa e porta-voz do general Figueiredo, o último ditador do regime militar conservador e autoritário que afundou o Brasil em corrupção, censura, violência institucionalizada e falso moralismo desde o golpe de 1964; realmente seria difícil para alguém como ele fazer uma análise menos reacionária...

Então vamos lá:

Se o Brasil é mesmo transgênico, como diz Garcia, quem poderíamos responsabilizar pela introdução das outras etnias para a composição miscigenada da população de nosso país atual?

Os índios já estavam aqui e foram escravizados.
Os negros vieram para cá contra a vontade deles, cativos, para serem escravizados no lugar dos índios (que tinham sido quase inteiramente exterminados).
Quando finalmente decidiram abolir a escravatura, imigrantes de várias partes da Europa foram chamados para substituir a mão-de-obra escrava (ou seja, ao invés de passarem a pagar salários aos negros pelo trabalho que já faziam antes como escravos, preferiram pagar salário para os imigrantes deixando os agora ex-escravos à margem, "a deus dará").

Preciso dizer que foram os brancos
Sim, foram os brancos. 
Sabe, os brancos, a gente branca cristã que veio de Portugal e se tornou a elite que comandou o Brasil em todas essas barbaridades citadas acima.

Não existe uma só raça humana. Existe uma só espécie humana, homo-sapiens, mas a nossa espécie é dividida em pelo menos quatro raças (que também podem ser subdivididas). 
Antes pensava-se em termos biológicos para se fazer a definição de raça, mas hoje a abordagem é através de parâmetros sociais.
Inclusive os termos mais usados hoje são outros, como por exemplo etnia.
Mas a definição de racismo segue firme e forte: preconceito e discriminação com base em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. 

Racismo é o que acontece por exemplo quando Hitler e a Alemanha nazista decidem exterminar os judeus da face da Terra, ou quando os negros africanos são capturados para servirem de escravos nas colônias européias nas Américas (que se tornariam países antes de abolir a escravatura)... 

Os exemplos de racismo são tantos, tantos... 
Mas nos dois exemplos aqui o racismo persiste ainda hoje, por mais que os nazistas tenham sido derrotados na segunda guerra mundial e por mais que a abolição da escravatura tenha sido declarada em toda parte nas Américas. 

O que aconteceu foi que o racismo deixou de ser institucionalizado, deixou de ser oficial, diminuiu, mas não acabou por completo.

O tempo vai passando, as pessoas vão nascendo, vivendo, se misturando, convivendo, morrendo... As diferenças vão se tornando parte da vida e as formas de racismo no dia-a-dia vão se transformando e fixando...

Para que o racismo nos meus dois exemplos pudesse mesmo acabar deveria ter havido uma reparação por parte dos racistas lá atrás, por parte do Estado de então.
Quer dizer, mesmo assim ainda poderia haver um ou outro racista sem noção perdido hoje, mas imagina sem reparação por parte do Estado então...
O fato é que ainda há gente racista que admira o nazismo... Ainda há gente que acha que "negro se não caga na entrada caga na saída"...

Voltando ao SIMPLES Doméstico:
O Alexandre Garcia e tantos outros (como a pessoa que comentou no caralivro) acreditam, ou fazem crer, que o fato de questionar a população sobre raça/cor é que torna o Estado racista.

Puxa, pra mim escravizar pessoas de uma ou outra determinada cor ou raça por séculos é o que faz um Estado racista...

Pra mim abolir a escravatura sem alfabetizar os escravos (pois então só tinha direito a voto quem fosse alfabetizado), não pensar em mecanismos para incluir esses agora ex-escravos na sociedade do mesmo jeito que os brancos estavam inseridos, para que todos tivessem acesso ao mínimo para uma vida justa e confortável convivendo em harmonia, isso sim é o que faz um Estado racista.

Pra mim deixar esse monte de ex-escravos à sua própria sorte, cidadãos de segunda classe, sem direito a voto e marginalizados (qualquer hora vou escrever sobre a história do voto no Brasil), gerando milhões de descendentes que nascem, crescem, se reproduzem e morrem sem acesso aos mesmos serviços e possibilidades que os outros que nunca foram escravos sempre puderam contar, isso sim é o que faz um Estado racista.

Pior ainda, um Estado que nunca teve a coragem de assumir que, depois de tudo isso que apontei acima, por mais de cem anos, fingiu que apenas o fato de ter havido a abolição já estava de bom tamanho e que tudo se resolveu como num passe de mágica, isso sim é um Estado racista.


Agora, um Estado como o nosso desde o começo dos anos 2000, que finalmente decide encarar a questão de frente e desenvolver iniciativas como a lei que obriga o registro em carteira dos trabalhadores domésticos, o sistema de cotas, de políticas afirmativas, para incluir pelo menos uma parte dos muitos milhões de descendentes daqueles escravos, pra mim este Estado é justamente o contrário de racista, é humanista.

O Estado que teve a coragem de assumir a responsabilidade que durante mais de um século foi vergonhosamente ignorada é justamente o de Lula e Dilma (por mais que eles também tenham cometido falhas em outras esferas).
Por isso que não me admira ver a dondoca, mais branca que não-branca, na varanda mandando a empregada doméstica, mais mulata que não-mulata, bater a panela por ela para protestar contra a corrupção...
É pra essa gente que o Alexandre Garcia destila suas análises, visando o esquecimento da questão raça/cor no Brasil.
Mas hoje a discussão sobre a questão raça/cor no Brasil está lançada e não há mais como fingir que está tudo bem, é preciso trabalhar isso e superar, afinal a evolução não pára. Ou evoluímos enquanto espécie, mesmo que entre altos e baixos (neste caso acabamos de passar por um "baixo" de mais de cem anos), ou então a humanidade acaba, simples assim.

21 de outubro de 2015

Machado Dunker: O Caso da Vara e do não-luto

Estou terminando o trabalho de Estudos Literários para a faculdade, sobre o conto O Caso da Vara de Machado de Assis, para entregar amanhã.

Enquanto participava de uma discussão política com alguém que não conheço, na linha do tempo do perfil de um amigo virtual no caralivro, me deparei com a entrevista com o professor Dunker que a Fórum publicou recentemente.

E encontrei relação entre o que Machado de Assis apontou com o conto lá em 1891 e o que Christian Dunker aponta na entrevista agora em 2015.

Saca só este trecho aqui da entrevista: 
"(...) essa distribuição senhorial dos bens simbólicos, justiça, saúde, educação, é algo colonial no Brasil e nunca foi de fato enfrentada (...)".

Meu trabalho sobre O Caso da Vara segue justamente esse tom.
:)

8 de agosto de 2015

Dinheiro, cristãos e judeus

Oi amiguinhxs, vocês sabiam que desde que o conceito do dinheiro foi inventado - há mais de 10 mil anos, passando por quando a moeda foi inventada - há mais de 3 mil anos, a prática de empréstimo e cobrança de juros foi abertamente aceita?
Por muitos milhares de anos a moeda corrente era animais e quando um empréstimo era feito, a moeda, isto é, o conjunto de animais, se reproduzia naturalmente, o que servia de boa justificativa para a cobrança de juros.


Foi o judaísmo, lá pelos idos de 1000ac, que começou com essa história de que a prática de cobrança de juros era algo negativo e que deveria ser proibida, recebendo o nome de usura.
Mas apesar de proibir a usura aos próprios judeus, o Torá (texto sagrado dos judeus) prevê a possibilidade do judeu praticar a cobrança de juros em empréstimos para os não-judeus, ou gentios.

Até o século XV, a prática de cobrança de juros foi encarada como pecado e proibida pelas religiões católica e islâmica.
Ou seja, por aproximadamente dois mil e quinhentos anos os judeus eram detentores do monopólio da prática do empréstimo.

Obviamente com o passar do tempo, nesse longo período, os judeus passaram a ser vistos como avarentos.
Os judeus passaram a ser odiados e a esse sentimento coletivo foi dado o nome de antisemitismo. 
Por isso foram cada vez mais se isolando nas comunidades, a ponto de haver bairros segregados aos judeus, chamados guetos.

A partir do século XVI os cristãos passaram a praticar a cobrança de juros sem maiores preocupações e a igreja passou a aceitar a coisa toda de bom grado.
Na Itália o conceito de banco como o conhecemos foi inventado e o pecado da usura saiu de moda definitivamente.

Mas o estrago já estava feito, os judeus adquiriram uma fama tão má a ponto de despertar o ódio e a fúria de várias lideranças e setores da sociedade em diferentes partes da Europa em diversos períodos, culminando com o holocausto promovido pelos nazistas, quando seis milhões de judeus foram exterminados durante a segunda guerra mundial.

Pois então, amiguinhxs, o tempo passa e as coisas mudam, coitado de quem pensa que as coisas serão como são para sempre e que é ilusório pensar em mudanças, pois há séculos que a usura é uma prática bem-vista em nossa sociedade, praticada por não-judeus a torto e a direita (logo os não-judeus, ou melhor dizendo, cristãos, que odiavam e perseguiam os judeus especificamente por conta da usura), e hoje são os judeus quem tentam exterminar outra etnia.
Coisas que somente as religiões podem proporcionar...

1 de agosto de 2015

Neves...

Oi amiguinhxs, estou assistindo no canal Curta! ao documentário Tancredo Neves - Uma Travessia, feito em 2010. 
O filme todo fala sobre democracia, sobre estado de direito, enaltecendo a figura de Tancredo desde os tempos de Getúlio Vargas, passando pelos bastidores do golpe militar de 1964, mas focando na campanha pelas eleições livres e diretas.

Não consigo me conter: aqui estou.

Desde o fim da penúltima ditadura no Brasil (o Estado Novo) até o golpe de 1964, houve quase 20 anos de democracia; a chamada Quarta República, onde felizmente os eleitores eram quem escolhiam por meio do voto quem iria presidir o país.

Naquela época o vice-presidente era eleito também, isto é, havia os candidatos à presidência e os candidatos a vice, candidatados e eleitos separadamente.

Mas esses não foram anos fáceis, pois os três presidentes e os três vices eleitos nesse período sofreram pressão e (tentativas de) golpe por parte das mesmas forças reacionárias.

Primeiro foi o próprio Getúlio Vargas, que, apesar de seu passado autoritário, promoveu reformas progressistas e então se retirou encerrando sua ditadura. Depois de se candidatar e ter sido eleito legitimamente, não conseguiu terminar seu mandato (se suicidou), por conta da pesada campanha vil e achacadora liderada pelo jornalista e político Carlos Lacerda e pelos militares reacionários (dentre eles alguns dos próprios generais de Getúlio).

O vice de Getúlio, Café Filho, assumiu mas também não aguentou até o fim do mandato (por motivos de saúde). 
Então quem assumiu foi o presidente da câmera, Carlos Luz, aliado aos militares que maquinavam um golpe que impediria a posse dos recém-eleitos Juscelino Kubitschek (presidente) e o trabalhista e progressista João Goulart (vice).
Graças ao general Lott (um dos grandes militares brasileiros, dos poucos militares de alta patente defensores da democracia), o golpe não vingou e Juscelino tomou posse.

Em 1960 Jânio Quadros foi eleito presidente e João Goulart foi eleito vice-presidente mais uma vez. Em 1961 Jânio renunciou, por conta da pressão das famosas "forças ocultas", que de ocultas mesmo não tinham nada, era o conservadorismo das forças reacionárias.
O vice João Goulart, disposto a realizar reformas progressistas que visavam a melhoria de vida de milhões de brasileiros desfavorecidos, despertou a ira dos reacionários, que maquinavam outro golpe. Quem eram esses reacionários? Opa, é fácil dizer: grande mídia/imprensa, banqueiros e as elites brasileira e norte-americana, encabeçados pelos militares.

Tancredo, dentre outros, então costura uma solução "intermediária" com os golpistas: mudar o sistema de governo do Brasil para o parlamentarismo (claro, sem consultar os eleitores). Então Goulart conseguiu assumir como presidente mas na prática quem comandava mesmo era o primeiro-ministro. E quem foi o primeiro-ministro? Tancredo Neves.

Esses mesmos golpistas que impediram João Goulart de governar o país, em 1964 colocaram em prática o golpe, com invasões armadas, forçando assim o presidente a deixar o palácio de governo (Goulart foi para Porto Alegre).
Quem então anunciou a deposição do presidente Goulart? O então presidente da câmera. Inclusive alegando que os militares iriam assumir o governo do país porque o presidente Goulart teria abandonado seus encargos (obviamente ignorando o fato das invasões armadas atentando contra a vida do presidente e contrariando a lei, que era clara ao afirmar que o abandono só poderia ser caracterizado no caso do presidente deixar o país).

Depois o filme sobre Tancredo deixa de contar sobre as manobras de manipulação que a ditadura usava em conjunto com a grande imprensa e demais setores conservadores, para domar a opinião pública; deixa de contar sobre os inúmeros casos de corrupção e retrocesso nas questões sociais (a tal modernização pregada pela ditadura militar nada mais era que o aumento exponencial das diferenças sociais); e principalmente, deixa de contar sobre como a ditadura militar perseguiu, torturou e assassinou quem quer que ousasse optar pelo embate para combater a ditadura e lutar pelo retorno da democracia.

O filme termina focando na campanha Diretas Já e no calvário que culminou na morte de Tancredo.

Quanto à figura de Tancredo, por vezes reconheço seu caráter conciliador e sua importância na defesa da democracia, e por vezes acabo desconfiando de alguns fatos e episódios... Como por exemplo a promoção do futuro ditador Castelo Branco a General do Estado-Maior por indicação de Tancredo (fato esse inclusive abordado no filme).
Mas a trajetória dos Neves que vieram depois de Tancredo não deixa dúvidas, de como o Brasil piorou em termos de Neves na arena política do país, puta merda.

Foi surreal ver ali no filme o neto Aécio depondo emocionado sobre a luta do avô Tancredo em prol da democracia, ainda mais num momento como o presente, onde Aécio é um dos políticos de liderança no movimento golpista que tenta derrubar a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Vendo o filme e pensando na história recente do Brasil, algumas coisas que de tempos em tempos se repetem me deixam perplexo:
1. Apesar de muitos bradarem o contrário, a maioria dos eleitores brasileiros quer as reformas progressistas, quer o combate à desigualdade social, quer o combate efetivo à corrupção, tanto é que continua elegendo os candidatos comprometidos com essas causas;
2. As forças reacionárias usam a grande mídia/imprensa para denegrir a imagem de quem se compromete com essas causas, as forças reacionárias usam o discurso de ódio e simulam uma cruzada pelos bons costumes e caça às bruxas, mas são as forças reacionárias que se recusam a serem submetidos à lei e não hesitam em maquinar golpes.

O fato de em grande parte dos golpes ser o presidente da câmera o portador da desgraça, e de termos hoje como presidente da câmera o nefasto Cunha, me causa arrepios de náusea.
O fato de pessoas com um passado de aparente luta em prol da democracia hoje fazerem apologia de golpe contra a presidenta eleita Dilma, como Aécio Neves e Aloísio Nunes (dentre outros), me causa arrepios de náusea.

Mas o pior mesmo é perceber que tem muita gente pobre que sente fascínio pela causa reacionária, abraçando as ideias propagadas pela campanha de ódio e denegrindo o governo federal do PT, eleito, legítimo. Enquanto isso o governo do estado de SP do PSDB, por exemplo, segue poupado...

Eu discordo de muitas posições dos governos do PT, assim como dos governos do PSDB e de todos os outros partidos, assim como discordo de muitas das posições tomadas pelos governos passados dos mais variados partidos.

Não se trata de defender o PT ou o PSDB, o que eu defendo é o estado de direito, eu defendo é a legalidade (a busca por leis justas e evolutivas e pelo cumprimento delas), eu defendo é o combate à desigualdade social e o combate à corrupção de quem quer que seja, eu defendo é a democracia.

Acho que se Tancredo pudesse ver o que seu neto está aprontando, estaria muito triste agora.

13 de maio de 2015

Experimentar e respeitar x ter fé e impor

Desde março venho retomando minha rotina de ir para a USP frequentar as aulas do curso de Letras (entre 2002 e 2003 comecei o curso e então tranquei a matrícula – que depois veio a ser cancelada – pois fui morar fora do Brasil) e faz umas semanas que tenho reservado esse trajeto – principalmente o do metrô – para a leitura do livro Cosmos, do Carl Sagan.
Leio algumas páginas por dia e quase todo dia descubro algo que considero muito valioso.


(Sugestão: escute enquanto lê!
https://open.spotify.com/artist/7D9meP7t27vYQwvN7rCcw8)


Ontem eu estava na parte do livro onde Sagan fala do método científico e de sua utilização (ou não) no decorrer da história da humanidade. Mais precisamente sobre a curiosidade humana, sobre nossa capacidade de questionar, investigar e aprender.
Foi muito esclarecedor para mim e de tão empolgado que fiquei, aqui estou. Enxerguei algo bem claramente: evolução.

Eu, que nasci em 1975 e estou escrevendo isto aqui agora, e você, que muito provavelmente nasceu em algum ano entre 1935 e 2005 e que está lendo isto aqui num outro momento – que você também chama de agora –, estamos habituados a escutar termos como ‘ciência’ e ‘tecnologia’, e claro, habituados aos avanços proporcionados por essas atividades.
Mas todos os seres humanos vivos hoje são apenas os integrantes mais recentes dentre os que surgiram na Terra; fazemos parte de um grupo de seres que evoluiu profunda e longamente, a ponto de relativamente dominar este planeta.

Essa evolução é um processo muito sinuoso que começou há longínquos 3,5 ou mesmo 4 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias surgiram, num planeta Terra em condições ambientais bem diferentes deste em que vivemos hoje (mas ainda assim o mesmo, no mesmo sistema Solar).
É um processo em andamento e não sabemos onde vai dar.

Hoje existem quase 14 milhões de espécies de seres vivos no nosso planeta e isso representa menos de 1% de todas as espécies que já surgiram na Terra (os outros mais de 99% das espécies, isto é, centenas de milhões de espécies de seres vivos, caíram em extinção).

O primeiro ser humano exatamente como eu e você (anatomicamente) viveu na África há aproximadamente 200 mil anos. De lá para cá viemos descobrindo e desenvolvendo tudo o que sabemos hoje.
Antes disso havia outros tipos de humanos, hoje todos extintos: nossos antepassados e antecessores, das várias espécies integrantes do gênero Homo, que surgiu há mais ou menos 2,5 milhões de anos, também na África.
E antes ainda viviam nossos antepassados primatas, a partir de 75 milhões de anos atrás, de onde viemos nós e também os macacos, chipanzés, bonobos, gorilas e orangotangos.

Os seres humanos que viviam há 30 mil anos atrás, espalhados por África, Europa, Ásia e Oceania, eram tão inteligentes quanto eu e você somos hoje.
Parece loucura eu dizer isso, mas é a mais pura verdade.
Eles já eram capazes de pensamento crítico, abstração de conceitos, planejamento, simbolismos, tecnologia aplicada, comunicação, adaptação cultural e normas sociais.

De acordo com o escritor Daniel Loxton, questionar e investigar – buscando entender as coisas e aprendendo com as descobertas – é algo tão antigo quanto a própria humanidade.
Eu concordo, acredito que isso que a grande maioria de nós sente, essa curiosidade, essa inquietação e essa vontade ou mesmo necessidade de entender as coisas, isso tudo sempre existiu em nossa espécie. Assim como nos surpreendemos ao ver que nossas crianças desde o nascimento apresentam as mesmas características que vemos nos adultos, e mesmo assim à medida em que crescem vão aprendendo cada vez mais coisas.

Mas se a evolução humana já tinha chegado há 30 mil anos ao estágio em que estamos hoje, então por que a confecção de roupas só apareceu há 26 mil anos? Por que a primeira vila (pessoas vivendo em comunidade) só apareceu há 25 mil anos atrás? Por que a cerâmica para cozinhar só apareceu há 20 mil anos atrás? Por que a domesticação de animais só começou há uns 13 mil anos atrás? Por que a agricultura e a civilização só apareceram há 10 mil anos? Por que o uso da roda só apareceu há 7 mil anos atrás? Por que a escrita e o primeiro calendário só apareceram há 6 mil anos? Por que o papel só apareceu há 5 mil anos atrás? Por que a medicina só apareceu há 3,5 mil anos atrás? Por que o uso do ferro e as grandes construções arquitetônicas (pirâmides) só se espalharam há 3 mil anos atrás? Por que o conceito de método científico só apareceu há 2,5 mil anos atrás?

Não sabemos as respostas, as hipóteses são muitas e devem ter sido conjuntos de fatores. Mas temos certeza de duas coisas:
1. Alguns dos seres humanos vão continuar investigando para descobrir as respostas;
2. Olhando para trás, percebemos que a evolução segue um padrão de crescimento exponencial de complexidade.

Ao contrário do que dizem os criacionistas usando a segunda lei da termodinâmica para ‘provar’ a existência de deus, isto é, que o Universo tenderia obrigatoriamente da ordem à desordem, do mais complexo ao mais simples, tornando a origem da vida e o processo evolutivo dos seres vivos impossíveis; podemos facilmente perceber que, senão com o surgimento do universo (pois da vida certamente sim), a lei é perfeitamente coerente com a evolução – do universo e da vida.

Howard L. Resnikoff diz que “a vida é a solução da natureza para preservar informação apesar da segunda lei da termodinâmica”.

Segundo o biólogo Eric Schneider a luta pela vida consiste no esforço dos seres vivos para dissipar o gradiente de temperatura induzido na Terra pela radiação solar. Ao desenvolver mecanismos que promovem maior degradação de energia, é induzida a formação de estruturas ordenadas, tornando o sistema (nesse caso, a espécie de seres vivos) mais complexo.
Uma forte evidência disso é a alta taxa metabólica dos animais homeotérmicos (aves e mamíferos), quando comparada à dos pecilotérmicos (peixes e répteis) – que surgiram 350 milhões de anos antes.
A seleção natural encarregou-se de manter e favorecer as estruturas (espécies) que dissipavam energia de modo mais eficiente, gerando um aumento da complexidade.

Do mesmo modo que não poderíamos esperar sermos capazes de retirar a água do café quente que estava dentro de uma xícara e que essa água, cujas moléculas antes estavam unidas às do café, pudesse se tornar gelo fora da xícara (assim como podemos sim esperar que um cubo de gelo derreta caso colocado numa xícara de café quente), não poderíamos esperar que os seres humanos fossem capazes de inventar a imprensa antes da escrita, o carro antes da roda ou a internet antes do computador.

Há 30 mil anos os seres humanos já eram iguais a nós hoje, sim, mas tinham menos repertório, menos bagagem cultural. E isso significa muito, pois quanto mais descobrimos, mais somos capazes de descobrir, isso leva ao aumento progressivo na taxa de crescimento do conhecimento, tornando as mudanças decorrentes dessas novas descobertas cada vez mais frequentes e maiores.

Hoje muitos de nós, talvez a maioria dos cerca de 7 bilhões de seres humanos que vivem neste nosso planeta, aceitamos sem maiores problemas, ideias que descrevem fatos elementares como por exemplo a Terra ter um formato esférico e orbitar o sol que é o centro do sistema solar, mas no seu livro Cosmos, Sagan me alertou sobre o fato de que, apesar dessa premissa hoje considerada parte do senso-comum ter sido inequivocamente formulada pela primeira vez há cerca de 2500 anos, somente há cerca de 400 anos ela começou a ser aceita.
Não somente isso; há cerca de 2300 anos também houve quem já conseguisse calcular as marés (inclusive associando-as à lua), o tamanho do planeta e sua distância em relação à lua e ao sol!

O que houve com a humanidade, que, ignorou por dois mil anos, ideias engenhosas e sofisticadas que vieram a ser comprovadas com evidências irrefutáveis, se tornando aceitas por toda a comunidade científica?

Se a aparente discrepância entre a capacidade do ser humano de 30 mil anos atrás (exatamente a mesma que a nossa hoje) e a “demora” na evolução pode ser atribuída ao processo natural também descrito pela flecha do tempo da segunda lei da termodinâmica, o mesmo não pode ser dito sobre um período mais próximo ao nosso presente: Sagan me mostrou como essa nossa capacidade extraordinária, de evoluir, recentemente pôde ser reprimida como nunca antes (pelo menos de acordo com os conhecimentos históricos que temos à disposição), atrasando a humanidade de uma forma absurda.

Eu tinha a impressão de que Platão e Aristóteles eram os patronos da ciência. Os pioneiros da busca pelo conhecimento, juntamente com Sócrates.
Isso deve ter sido por conta das aulas de história e ciências, durante o ensino fundamental e médio, na escola.
Nasci e cresci no Brasil e no período em que cursei o ensino fundamental o país estava nos anos finais da ditadura militar e nos anos iniciais da redemocratização. Disciplinas como filosofia e sociologia tinham sido banidas e o currículo de disciplinas como ciências, história e geografia foi adaptado para satisfazer a censura da ditadura reacionária.
O livro Cosmos já tinha sido publicado (foi publicado em 1980) mas obviamente as escolas onde eu estudei nunca o usaram.

Pois bem, dentre os tantos cientistas pioneiros, que séculos antes do cristianismo e antes mesmo de Sócrates, já faziam descobertas maravilhosas sobre a natureza e começavam a compreender suas características mais sublimes, podemos citar Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes de Mileto, Xenófanes, Heráclito, Parmênides, Anaxágoras, Zenão de Eleia, Leucipo de Abdera, Demócrito, Eratóstenes de Cirene e Seleuco de Selêucia...

Eles viveram na Grécia antiga, mais precisamente em Jônia (na costa sudoeste da Anatólia – atual Turquia), numa sociedade não governada por uma elite, mas por mercadores; numa sociedade que por conta de sua posição geográfica teve influências de várias outras (como Egito e Mesopotâmia); e principalmente, numa sociedade que permitiu a liberdade de se tentar entender o mundo sem recorrer aos deuses. E infelizmente todos eles foram deliberadamente desprezados a partir da adoção das linhas de pensamento de Platão e Aristóteles.

Há uma visível continuidade no esforço intelectual e nas ideias de Tales no século VII ac com as ideias propostas no século XVII por Newton (depois de Newton, provavelmente ninguém mais teve tamanho impacto na humanidade através da ciência, a não ser Darwin e Einstein).
Assim como há uma visível continuidade no esforço intelectual e nas ideias de Anaximandro e Demócrito com as ideias de Darwin.

Além das ideias de Platão e Aristóteles não permitirem a liberdade que as dos chamados Pré-Socráticos permitiam (e de não serem tão avançadas), descobri que tanto Platão quanto Aristóteles serviam a tiranos e defendiam a escravidão e o elitismo (o direito ao conhecimento para apenas uma pequena e poderosa elite).
Resumindo, os chamados Pré-Socráticos estavam muito mais alinhados com a ciência moderna do que o trio Sócrates, Platão e Aristóteles (com exceção de Pitágoras e seus discípulos, que eram contrários ao método científico e influenciaram Platão).

Platão defendia que os astrônomos pensassem nos céus, não que perdessem tempo os observando. Aristóteles acreditava que os escravos eram seres inferiores e que era melhor para eles estarem sob o jugo de seus senhores.

Os Jônios, e todos os seus cientistas, foram subjugados por outros povos helênicos pois não tinham escravos.
A partir disso a civilização grega desprezou os Pré-Socráticos.

E o resto é a história que todos sabemos (ou deveríamos saber): os romanos dominaram os gregos e adotaram sua filosofia (claro, sobretudo a de Sócrates, Platão e Aristóteles), inclusive adaptando os deuses gregos para formar a mitologia latina; depois o cristianismo se tornou a religião dos romanos, que adaptaram seus deuses para que coubessem como santos cristãos e adaptando a filosofia de Platão e Aristóteles para montar seus dogmas; então se sucederam as guerras religiosas entre cristãos e muçulmanos e as rupturas (ortodoxos e protestantes); também a infame e cruel “santa” Inquisição (que censurou, perseguiu, torturou e/ou matou quem ousasse questionar e investigar sobre a natureza e a vida).

Foram dois mil anos de atraso, onde os pouquíssimos avanços científicos vieram sobretudo dos árabes e dos chineses, até que no século XVI, aos poucos as ideias dos Pré-Socráticos foram retomadas, desenvolvidas e avançadas, com o advento da Renascença e então do Iluminismo.
Graças a essa retomada do método científico que tivemos a revolução industrial e todos os demais avanços tecnológicos mais recentes.

A ciência é a melhor maneira que temos para conhecer a natureza.
Não porque a ciência seria infalível, justamente porque uma teoria científica é empírica e está sempre aberta à contestação se novas evidências forem apresentadas. Ou seja, nenhuma teoria pode ser considerada estritamente certa para sempre, pois a ciência aceita o conceito de falibilismo.

Já as religiões impõem dogmas e a fé impede que a curiosidade e o senso crítico possam ser postos em prática e desenvolvidos.
As religiões organizadas perderam parte de seu imenso poder, mas ainda dominam e limitam a vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo.
Apesar das muitas obras de caridade e das mensagens de paz e amor, as religiões ainda são a maior fonte de intolerância e violência no mundo.

Qualquer religioso que ousar questionar e investigar, estará em um dilema: abandonar a religião ou fingir que tem fé.

A espiritualidade pode ser algo positivo, pois não necessariamente interfere na capacidade evolutiva, mas as religiões organizadas certamente foram e cada vez mais são negativas para a espécie humana.

Assim como a escravidão e o racismo já foram considerados algo justo e positivo por muitos anos, e hoje não mais, espero que a religião, a guerra e toda forma de violência e opressão também sejam deixados para trás em algum ponto de nossa evolução.
Arrisco dizer que é inevitável que isso aconteça, cedo ou tarde (a não ser que estejamos extintos antes).

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Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_the_evolutionary_history_of_life
http://en.wikipedia.org/wiki/Bacteria
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_human_evolution
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_scientific_thought
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_religion
http://en.wikipedia.org/wiki/Cosmos_(book)
http://en.wikipedia.org/wiki/Cosmos:_A_Personal_Voyage
http://en.wikipedia.org/wiki/Behavioral_modernity
http://en.wikipedia.org/wiki/Science
http://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_skepticism
http://en.wikipedia.org/wiki/Outline_of_scientific_method
http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_scientific_method
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_the_history_of_scientific_method
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ensino_m%C3%A9dio
http://en.wikipedia.org/wiki/Heliocentrism
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_human_prehistory
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_ancient_history
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_languages_by_first_written_accounts
http://www.leb.esalq.usp.br/aulas/lce5702/termodinamicavida.pdf
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_the_evolutionary_history_of_life
http://en.wikiquote.org/wiki/Thermodynamics
http://en.wikipedia.org/wiki/Entropy_(arrow_of_time)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_lei_da_termodin%C3%A2mica

20 de novembro de 2014

A democracia brasileira no século XXI: você prefere participar ou reclamar?

(publicado no site Pragmatismo Político)

No fim do século passado surgiu a doutrina política e econômica chamada neoliberalismo, favorecendo a redução do papel do Estado em parte do mundo, Brasil incluso (com Fernando Henrique Cardoso); os governos que adotaram esse pensamento privatizaram empresas estatais, desregulamentaram e reduziram despesas, buscando o Estado mínimo, onde em nome da liberdade o Estado passa a não ter mais obrigação de controlar a vida dos cidadãos, cabendo então a produção e a promoção do bem-estar aos indivíduos, que competem entre si com base na meritocracia, que destina os indivíduos a classes sociais distintas, aceitando a desigualdade social como natural e apelando para a caridade voluntária para amenizá-la. Esse conceito é uma atualização do pensamento de direita, adaptando o capitalismo, que visa renovar suas justificações, pelos conservadores, que se dizem liberais.

Desde a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética a esquerda vem se reinventando em todo o mundo, abandonando quaisquer traços que possam servir de ligação com os métodos nefastos utilizados nos regimes comunistas totalitaristas (o último regime comunista totalitário ainda presente no mundo é o da Coreia do Norte).

A esquerda atualiza os preceitos do socialismo para buscar a igualdade social, o reconhecimento de direitos civis, o combate à corrupção e à impunidade e o desenvolvimento solidário, assumindo o bem estar do cidadão como obrigação do estado. Quem defende esses valores é chamado de progressista. Nos últimos anos vários países nas américas e na Europa elegeram governos com orientação progressista, de esquerda. O Brasil é um deles.

Apesar de existirem outros modos de se pensar a política, em nossa sociedade não há organização significativa afora os dois grandes polos supracitados.

O primeiro governo federal brasileiro amplamente considerado de esquerda foi o de João Goulart, que se não contarmos o parlamentarismo forçado pelos militares entre 1961 e 1963, durou cerca de um ano apenas, entre 1963 e 1964, quando um golpe militar tomou o poder do país instaurando uma ditadura militar de direita que durou cerca de 20 anos.

Desde o governo reformista de Goulart, de esquerda, todos os governos federais brasileiros foram de direita.

O Brasil só voltou a ter um governo federal de esquerda em 2003 com a eleição de Lula à presidência. Sim, a partir de 1964 o Brasil teve quase 40 anos de governos de direita e agora vamos entrar no décimo terceiro ano de governos de esquerda.

O PT, de Lula e Dilma, é o maior partido de esquerda do Brasil, nasceu no final da ditadura militar e sempre defendeu a social-democracia, optou pelo consenso através do diálogo ao invés da revolução armada, tanto que é visto por muitos como sendo um partido de centro. O PSOL é o partido de esquerda pura que mais cresce no Brasil hoje, e defende a democracia. O PSDB, de FHC e Aécio, que já foi um partido de centro mas que hoje na prática é de direita, se diz democrático até no nome, assim como o PMDB, que como MDB se opôs à ditadura militar mas atualmente se alia a quem quer que esteja no poder.

O DEM, antigo PFL (que antes foi PDS e antes ainda foi ARENA - o partido da ditadura militar brasileira), é de direita e conservador e se diz democrata, nada mais.

Ou seja, podemos dizer que a democracia é um regime político bem aceito no Brasil, tanto pela esquerda quanto pela direita, certo? Ou melhor, a democracia é o regime político que tanto a esquerda quanto a direita querem e buscam no Brasil, não é mesmo?

Sim e não. Querem e ao mesmo tempo não.

E nem estou me referindo à pertinácia de grande parte dos aspirantes ao poder no Brasil, que historicamente encara mandato eleitoral como concessão vitalícia, apropriando-se do poder de forma egoísta, tratando a coisa pública como privilegio de apenas uma parte dos brasileiros.

Podemos dizer que a igualdade, a liberdade e o Estado de direito foram identificadas como características importantes de qualquer forma de democracia, desde os tempos antigos, mas simplesmente não existe consenso sobre a forma correta de definir a democracia.

Sim, é uma questão espinhosa.


Ok, mas afinal que democracia querem os brasileiros?

Vamos lá, o Brasil é uma república federal presidencialista, de regime democrático-representativo.

Nosso país, que perante a nossa lei é erroneamente chamado de Estado Brasileiro, é uma federação pois é composto de estados dotados de autonomia política (além da Constituição Federal promulgam suas próprias Constituições).

O Federalismo no Brasil a grosso modo segue o modelo dos EUA, porém enquanto os EUA criaram-se porque diferentes entidades queriam ser guiadas por uma autoridade política comum, os Estados Unidos do Brasil tinham por finalidade ganhar autonomia de um Governo Central já estabelecido durante o governo de Dom Pedro II.

Em ordem decrescente, além dos estados, temos também os municípios. Cada um desses três entes é autônomo: União, estados e municípios.

O Estado brasileiro é dividido primordialmente em três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um desses três poderes é soberano e independente.

Ao Executivo cabe a atividade administrativa do Estado, a implementação do que determina a lei, atendendo às necessidades da população; ao Judiciário cabe a função de dizer o direito ao caso concreto, pacificando a sociedade, em face da resolução dos conflitos; ao Legislativo cabe a função de produzir leis e fiscaliza-las.

É uma república porque o chefe de estado é eletivo e temporário. É uma república presidencial porque as funções de chefe de Estado e chefe de governo estão reunidas no Presidente da República.

É uma democracia representativa porque o povo exerce sua soberania, indiretamente, elegendo os chefes do poder executivo e os seus representantes nos órgãos legislativos.

Para que o povo exercesse sua soberania de forma plena e permanente, a democracia deveria ser direta, isto é, com consultas públicas para definir todas as decisões a serem tomadas. Infelizmente em qualquer país com as dimensões do Brasil (território continental e população pouco politizada), uma democracia direta poderia provocar muita confusão.

Mas mesmo numa democracia representativa é possível para o povo exercer sua soberania além das eleições, diretamente via plebiscitos, referendos e iniciativas populares.

No Brasil infelizmente a soberania popular se limita às eleições, uma vez eleitos os políticos respondem pelo povo e o povo não participa de quaisquer decisões.

O Poder Executivo é regulado pela Constituição Federal nos seus artigos 76 a 91.

Desde 1891 o exercente do executivo federal é o Presidente da República, sendo também comandante-em-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Os colaboradores que auxiliam o Presidente da República nas tarefas administrativas são os Ministros de Estado. O exercente do executivo estadual é o Governador do Estado, enquanto comandante-em-chefe da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e da Polícia Civil. Os colaboradores que auxiliam o Governador do Estado são os Secretários de Estado. O exercente do executivo municipal, enquanto comandante-em-chefe da então chamada Guarda Municipal, é o Prefeito. Os colaboradores que auxiliam o Prefeito são os Secretários Municipais.

Das muitas tarefas que devem ser desempenhadas pelo Poder Executivo para garantir a realização do bem comum, é destacada a segurança pública.

A polícia militar (PM) - segundo o conceito usado internacionalmente - é a corporação que exerce o poder de polícia no âmbito interno das forças armadas, garantindo a segurança, a ordem e a lei no seu seio. Geralmente, a sua ação limita-se apenas às instalações e aos membros das forças armadas, mas no Brasil temos um disparate: as polícias militares estaduais desempenham a função de polícia ostensiva, juntamente com a de preservação da ordem pública (com caráter híbrido de policiamento preventivo-repressivo). As PMs no Brasil são um resquício da ditadura militar. Ou seja, ao invés de uma polícia priorizando o bem-estar do cidadão e o cumprimento da lei, não, aqui também temos uma duplicidade: duas polícias - a PM e a polícia civil - que deveriam ser apenas uma, desmilitarizada.

O Judiciário brasileiro é organizado numa estrutura formada por instâncias ou graus de jurisdição, dividida em vários órgãos que funcionam de maneira hierárquica.

A primeira das instâncias é composta pelo Juízo de Direito de uma comarca (divisão do território brasileiro que engloba vários municípios). Cada comarca possui juízes habilitados para julgar as causas civis e penais; e nela também se encontram juízos do Trabalho, Eleitoral e Federal. Se, após a decisão do juiz ou de um Tribunal do Júri, uma das partes do processo não concordar com o resultado e pedir que ele seja reexaminado, a ação poderá ser submetida a uma instância superior.

A segunda instância vai reavaliar a matéria e pode mudar a decisão tomada pelo primeiro juiz. Cada órgão de segunda instância - formada pelos tribunais de Justiça, e pelos tribunais regionais Federal, Eleitoral e do Trabalho - é composto por vários juízes, que formam um colegiado e julgam em conjunto. Os juízes dos tribunais de Justiça são chamados desembargadores; os dos tribunais regionais federais denominam-se desembargadores federais.

Existem ainda os chamados Tribunais Superiores - Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal de Justiça - para os quais é possível recorrer, buscando preservar de forma mediata o interesse das partes.

Por fim, há ainda o Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, a decisão do juiz de primeira instância só fica valendo se as partes aceitarem, se não basta empurrar para outra instância e fazer tudo de novo, pois o mesmo processo pode ser avaliado e julgado várias vezes, tomando tempo e dinheiro das partes e onerando os quadros e cofres públicos. Enquanto isso a causa continua em aberto e certamente alguém está sendo prejudicado e alguém está sendo favorecido, pois depois de um prazo determinado por lei, o criminoso não pode mais ser condenado (a isso chamamos de prescrição).

O VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, que aconteceu em Florianópolis nos dias 10 e 11/11/2014, nos mostra que o numero de ações judiciais à espera de julgamento cresceu em 15% de 2009 a 2013 e que o número de processos não julgados cresceu em 11,86%. Se mantivermos esse ritmo, em 2020 poderemos ter 114 milhões de processos na fila de espera por julgamento. A ineficiência desse sistema sem dúvida resulta em injustiças.

Alguém sabe quanto custa para nosso país esse monte de instâncias?

Nos tribunais de segunda instância tramitam apenas 7% dos processos judiciais em andamento, mas esses tribunais e desembargadores contam proporcionalmente com muito mais funcionários e estrutura que a primeira instância, na qual hoje se localizam 93% dos processos.

E principalmente, quem é que tem condições de se beneficiar recorrendo de instância em instância? O trombadinha executado pela PM na periferia definitivamente não. Corruptores, políticos e corruptos em geral, endinheirados, sim, se beneficiam e continuam livres e cometendo mais crimes. Um exemplo: dos quase 300 deputados e senadores que nesta eleição de outubro de 2014 foram reeleitos para o Parlamento, 73 estão sob investigação no Supremo Tribunal Federal. Nenhum partido na Câmara, por exemplo, elegeu bancada tão numerosa. Juntos, os reeleitos colecionam cerca de 150 inquéritos e ações penais.

A Operação Lava Jato pode aumentar o número de parlamentares reeleitos sob investigação no Supremo.

Graças à lei no. 12.846, que define como corruptores tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas (sancionada no final de 2013 e que entrou em vigor em janeiro passado), a operação Lava-Jato, que chega a sua sétima fase, conseguiu efetuar a prisão por corrupção de executivos de grandes empreiteiras, fato inédito no Brasil. A delação premiada, também prevista nesta lei (assim como na lei contra lavagem de dinheiro) beneficia as pessoas jurídicas que, assim como pessoas físicas (como Paulo Roberto Costa), decidirem colaborar com as investigações, fornecendo informações importantes que venham a ser comprovadas.

Mas ainda há muito a se fazer para melhorar.

O Legislativo brasileiro é bicameral a nível federal e unicameral a níveis estadual e municipal. Bicameral? Sim, resumindo, podemos dizer que Câmara dos deputados e Senado existem para fazer a mesma coisa.

Para não ficar tão descarada essa duplicidade, dividiram algumas atribuições e estabeleceram que todas as decisões devem ser aprovadas pelas duas câmaras (sim, uma elabora, manda para a outra, que pode revisar e então devolver para votação uma vez mais), ou seja, uma burocracia danada.

Cada um dos 26 estados (mais o distrito federal) tem a sua própria assembleia legislativa com seus deputados estaduais (distritais no caso do DF) e cada um dos 5570 municípios tem sua câmara municipal com seus vereadores. Diferentemente do nível federal, nos níveis estadual e municipal temos uma câmara apenas, portanto.

Menos complicado, certo? Sim, mas nem sempre foi assim, já tivemos senado também em 8 estados brasileiros; em São Paulo, por exemplo, tivemos o senado estadual por quase 40 anos. Sim, havia o senado federal e também o senado estadual!

Sabe quem é bicameral seja a nível federal seja a nível estadual? Os EUA; sim, justamente os que são usados como exemplo pelos defensores do estado mínimo aqui no Brasil. Oras, os EUA são vistos como Estado mínimo para terceirizar e para não oferecer serviços aos cidadãos, mas na hora de enxugar a própria máquina de governo, não percebem que para eles não basta uma câmera e um senado no governo federal, tem que ter uma câmera e um senado em cada estado também. Para mim isso não faz sentido, se querem Estado mínimo, que seja mínimo também no tamanho da máquina, oras.

Seja no Estado mínimo dos conservadores, seja no Estado provedor dos progressistas, um Legislativo bicameral não se justifica. Por que insistir nessa disparidade eu não sei, mesmo porque o bicameralismo surgiu para que a chamada câmara baixa (deputados) representasse os comuns e a chamada câmara alta (senado) representasse os nobres, ou seja, um absurdo para nossa sociedade contemporânea.

Países distintos como Suécia e China são unicamerais, isto é, sem senado, beneficiando-se de uma maior simplicidade do processo legislativo, evitando o paradoxo entre as câmaras e também apresentando custos menores.

Concordo com os conservadores quando defendem o enxugamento da máquina, mas não concordo com o Estado mínimo. Creio num Estado provedor, que sirva ao povo como um todo, mas que seja enxuto, pelo bem de todos.

É um absurdo termos tantas instâncias no Judiciário, que no fim das contas não funciona como deveria.

É um absurdo termos um salario mínimo de R$ 724,00 e nossos parlamentares e agentes do Judiciário custarem o que custam aos cofres públicos; eu defendo menos regalias para eles, defendo salários para mandatários, parlamentares e agentes judiciários que sejam compatíveis com os salários de policiais e professores. Quero dizer, não como os professores da USP (como FHC) que ganham mais do que os R$ 20,7 mil do governador, me refiro à grande maioria dos professores brasileiros, que trabalham muito e deveriam ganhar mais.

Duas câmaras com a mesma finalidade? Não, abaixo o Senado.

Por que uma polícia militar nas ruas num país que não está em tempo de guerra? Por que não treinar e valorizar os policiais civis, destinar uma parte deles para o policiamento ostensivo e fazer com que os crimes passem a ser realmente investigados?

Para que tantos ministérios? Para que tantos deputados estaduais e vereadores? E principalmente, para que tantos benefícios? Para que tantos assessores e secretários? Para que tantas verbas?

Tenho convicção que muita gente concorda em relação a essas coisas, seja de direita seja de esquerda.


Como mudar esse quadro democraticamente?

Com reformas.

Quem está disposto a lutar por reformas democraticamente no Brasil hoje?

Boa parte dos brasileiros está.

Dois exemplos: a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas já conseguiu juntar mais de 640 mil assinaturas; a “Marcha popular pelas reformas” realizada em 13/11/2014 em São Paulo, reuniu 12 mil pessoas debaixo de chuva e é uma resposta aos 2 mil manifestantes que, seis dias após a reeleição de Dilma foram às ruas pedir o impeachment da presidente e defender a necessidade de uma “intervenção militar” no país.

Com milhões de pessoas se manifestando nas ruas de várias cidades brasileiras nas chamadas jornadas de junho de 2013, iniciou-se um período de intenso debate político no Brasil, ainda mais acirrado com a campanha para as eleições de outubro agora.

Não podemos dizer que a primeira metade do governo de Dilma tenha sido exatamente reformista, mas desde as jornadas de junho de 2013 isso vem mudando. Ao propor os “cinco pactos”, na onda de respostas às manifestações, a presidente defendeu a reforma política com plebiscito. Ela chegou a enviar uma proposta ao Congresso, enterrada pelos parlamentares em menos de duas semanas.

Dilma fez sua campanha para a reeleição pautando várias propostas de reformas e defendendo uma maior participação dos eleitores nas decisões do governo.

Na lista de propostas da presidente temos a reforma política (para regular o financiamento de campanha eleitoral, definir o sistema eleitoral, as coligações partidárias, entre outras coisas necessárias também para o combate à corrupção), a reforma federativa (para redefinir as competências da União, dos estados e municípios em relação a saúde, educação e segurança pública, interligando os cadastros e padronizando a atuação; inclui a discussão sobre a reforma tributária), a reforma urbana (envolvendo propostas para saneamento, habitação, mobilidade, transporte coletivo, tarifas; além de repensar a questão da autonomia política das áreas metropolitanas) e a regulação econômica da mídia (impedindo práticas monopolistas, sem que isso implique em qualquer forma de censura, limitação ou controle de conteúdo).

São reformas que servirão para melhorar a vida dos brasileiros, para elevar o Brasil ao mesmo patamar de países ditos desenvolvidos e democráticos, como os países nórdicos por exemplo.

Mas se a presidente está disposta a discutir com a sociedade para aprovar reformas necessárias para melhorar o que tanta gente reclama, por que a coisa não anda?

Você sabia que apesar do Presidente da República ser a autoridade máxima do país, é o Congresso (Câmara dos Deputados e Senadores) que tem a palavra final?

Se o Presidente propor uma lei, o Congresso tem que aprovar para ter validade, ou seja, o Presidente pode querer fazer algo e o Congresso não deixar.

Se o Congresso propor uma lei, o presidente pode vetar, mas o congresso pode anular o veto do Presidente, ou seja, o Presidente pode não querer fazer e o Congresso obrigar.

Enquanto isso o povo sofre as consequências desses jogos do poder sem participar das decisões que afetam a vida de todos.

Além das eleições, o povo poderia participar através de plebiscitos e outras iniciativas, direcionando os políticos eleitos para que a vontade da maioria fosse ouvida na hora de tomar as decisões que afetarão a vida dos brasileiros, pois o que vem acontecendo é que a partir do momento em que os políticos eleitos tomam posse, eles agem como querem, sem ouvir os eleitores que os elegeram.

Não é à toa que esses políticos aprovam aumentos salariais para si próprios de forma ágil enquanto deixam de votar matérias importantes para a todos os brasileiros. Um exemplo é a Comissão de Trabalho da Câmara que aprovou em 05/11/2014 o texto que prevê que o salário dos ministros do Supremo e do procurador-geral da República passem dos atuais R$ 29.462,25 para R$ 35.919,05. O impacto no orçamento pelo efeito cascata do aumento será de R$ 872,3 milhões ao ano. A Comissão também aprovou na mesma data o Projeto de Lei 7920/14, do STF, que reajusta os salários dos servidores do Poder Judiciário da União. Pelo texto, o aumento será implementado em parcelas, até 2017. O impacto orçamentário para 2015 é de R$ 1,473 bilhão.

Você sabe quanto ganha um deputado federal no Brasil entre salário e benefícios? R$ 1,79 milhões ao ano.

Os 513 deputados juntos ganham quase 1 bilhão de reais ao ano.

Pois bem, os deputados federais derrubaram o decreto presidencial que criou a Política Nacional de Participação Social, sob o pretexto de que a participação popular prevista no decreto invadiria as prerrogativas do Legislativo.

Muita gente comemorou, alegando que o governo petista quer instalar o bolivarismo no Brasil.

Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé (em entrevista à Veja) "o bolivarismo é uma forma de autoritarismo que parece que não é", onde “os conselhos populares que seriam criados pelo decreto são soviets aparelhados com profissionais militantes pagos com dinheiro público para cercear a autonomia institucional”.

Por outro lado, muita gente lamentou, alegando que numa democracia a participação popular é fundamental.

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse na abertura da 42a Reunião Nacional do Conselho das Cidades: “nunca falamos em inventar conselhos, falamos simplesmente em organizar e aprofundar a participação social”.

Em seu discurso de retorno ao Senado após as eleições, Aécio anunciou ser o líder da oposição e deixou bem claro que vai boicotar as propostas do governo de Dilma Rousseff.

Não condenou as insanidades de parte de seus eleitores (que se manifestam pedindo um golpe militar para tomar o poder à força) e voltou a atacar o PT com acusações e denúncias, e incitou à polarização. Voltou a dizer que caso eleito presidente iria manter os programas sociais do atual governo, os mesmos programas que ele próprio e seu partido atacaram e criticaram desde o início, durante anos (parando apenas na campanha eleitoral).

A história dele ter "aconselhado" a presidenta a unir o país é retórica pura, em seu discurso ficou claro que ele ainda está em campanha.

Condicionou sua suspeita disposição ao diálogo ao aprofundamento da operação Lava-Jato (como se as investigações já não estivessem acontecendo) e já adiantou que é contra a regulação da mídia e contra qualquer iniciativa de participação popular (ele defende a manutenção do controle do poder nas mãos do congresso), isto é, contrário a qualquer tentativa de plebiscito (quando muito a favor de referendo).


Não fica claro que tipo de reformas ele defende, o que fica claro é que quaisquer que sejam, os detalhes não são da conta do povo.

É como dizer a todos os brasileiros: “Pessoal, vocês já exerceram sua soberania popular elegendo os políticos, agora deixem com os políticos, os políticos cuidarão de tudo para vocês, nos veremos novamente nas próximas eleições”.

As propostas de reformas do governo reeleito de Dilma estão plenamente de acordo com as demandas atuais no mundo democrático.

Aqui dois exemplos notórios:
1. Nessas eleições norte-americanas, além de eleger os candidatos, os eleitores também tomaram parte de mais de cem plebiscitos importantes;
2. Na Inglaterra foi recentemente aprovada a regulação da mídia, como já fizeram outros países desenvolvidos.

Quem insiste em vociferar contra o governo democraticamente eleito e tenta atrelar ao PT termos como bolivarismo, ditadura ou comunismo, demonstra preguiça ou má intenção. Enquanto não esquecermos as diferenças ideológicas para nos concentrarmos na construção de um Brasil melhor para todos, teremos essa divisão bem marcada entre povo e agentes do poder (políticos, agentes do Judiciário etc), com o resultado podre que já conhecemos: povo deixado para trás e agentes do poder garantindo regalias para si próprios.

Rivalidade em campanha eleitoral é compreensível, mas a eleição já foi.

Precisamos acabar com essa mania de eleger os políticos e depois apenas reclamar dos problemas, até a próxima eleição.

Mesmo quando aprendermos a eleger melhor, ainda assim será positiva a participação popular no decorrer dos mandatos. Não quero dizer com isso que os cidadãos deverão se transformar em militantes ou agentes; cada um participa como quiser, como puder, afinal nem todos temos vocação para participar de movimentos sociais; todos temos nossas vidas particulares e devemos ter momentos de lazer.

A participação popular pode se dar através de consultas públicas como plebiscitos, que são plenamente compatíveis com a manutenção da vida particular de todos sem o menor conflito.

A participação popular não é uma ameaça para quaisquer esferas do poder político, pelo contrário, facilita seu melhor desempenho.

A participação popular é algo negativo apenas para os maus políticos e para os corruptos; para os cidadãos de bem, sejam eles de direita ou de esquerda, é algo extremamente positivo. É a base de uma democracia plena.